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Pesquisador Julio Cesar Pereira de Carvalho [foto acima] levanta aparato repressivo da ditadura empresarial-militar de 1964 na petrolífera e beneficiamento de empresários
Rosângela Ribeiro Gil
Redação ABCP
Fotos: Mário Camargo | NPC
“Como ponto de partida, este livro afirma, por meio de pesquisa e de relatos minuciosos, que durante a ditadura empresarial-militar de 1964-1985, a Petrobras tornou-se uma empresa multifacialmente violenta, um laboratório de experimentos que serviria de inspiração e exemplo para outras companhias públicas e privadas.”
Acima destacamos um trecho da obra “Petrobras e petroleiros na ditadura: trabalho, repressão e resistência”, publicado pela Boitempo Editorial, e organizados a partir de parceria entre Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado de São Paulo.
A ABCP entrevistou um dos autores de textos do livro, o professor Julio Cesar Pereira de Carvalho, no 30º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), realizado entre os dias 5 e 8 de dezembro último, no Rio de Janeiro.
Em um dos trechos da pesquisa de Carvalho, ele descreve: “Entre a criação da Petrobras e a derrubada de João Goulart (que governou de 1961 a 1964), diversos componentes da caserna ocuparam cargos de comando na estatal, com destaque para as presidências. Com a deflagração do golpe de 1964, parece lógico pressupor que os militares continuariam tendo assento privilegiado nos quadros da petrolífera.”
Ele prossegue: “Logo após o golpe de 1964, foi instituída uma CGI na Petrobras. Presidida pelo general de divisão Antônio Luiz de Barros Nunes, o órgão tinha o objetivo de fazer a “limpeza” do quadro de funcionalismo da empresa, eliminando aqueles considerados “comunistas” ou “sindical-subversivos.”
ABCP – Por que é fundamental sabermos das relações entre Petrobrás, empresários e ditadura de 1964?
Julio Cesar Pereira de Carvalho – O livro organizado junto com outros autores traz luz à relação entre a petrolífera brasileira, os militares e os empresários. Criou-se um aparato sistematizado de vigilância e de repressão, com a atuação do alto escalão da empresa e das Forças Armadas, não apenas contra os trabalhadores petroleiros à época, mas também contra as comunidades indígenas e o direito ambiental, foram violações de diversas ordens.
Para além da própria violência praticada, e ela não é uma dimensão menor dessas relações, a minha pesquisa quer compreender como essa dinâmica de violência favoreceu economicamente diversos setores empresariais. Quem ganhou com tudo isso? A resposta dos beneficiados segue até os dias atuais. Muita gente ganhou com a ditadura, e, com certeza, não foi a sociedade brasileira, como se tenta vender. As pesquisas precisam ser feitas para trazer os elementos escondidos de tudo o que aconteceu no nosso passado recente, mas também para explicar a disputa do presente,
Como a Lava Jato?
Julio Cesar – Exatamente. Essa, inclusive, é minha outra motivação na pesquisa. De ordem mais contemporânea e conjuntural, a operação Lava jato mudou completamente a dinâmica política econômica brasileira. Ela estimulou o golpe de Estado de 2016 [impeachment da presidenta Dilma Rousseff] e oportunizou o aparecimento de Bolsonarismo e o movimento de extrema-direita, no país.
Estudar as raízes desse poder e disputa em torno da Petrobrás nos faz chegar às frações da classe dominante nacional contempladas com a ditadura empresarial-militar de 1964 e ao poder de definir as diretrizes de políticas petrolíferas da empresa. Essas frações da classe dominante foram robustecidas, tiveram seus capitais ampliados e chegaram com porte de concentração de capital na Nova República.
Há também um processo de verticalização de capital dessas empreiteiras.
Julio Cesar – As pesquisas demonstram isso de forma evidente. As empreiteiras de grandes obras públicas – da construção de refinarias, do Edifício Sede da Petrobras (Edise), no Rio de Janeiro – nessa associação com a companhia de petróleo brasileira verticalizaram seus capitais e se inseriram no setor petroquímico, por exemplo. A origem disse tudo está nessa relação entre empresários, Petrobrás e ditadura militar de 1964.
A repressão gerou lucro e novos negócios.
Julio Cesar – Houve um grande favorecimento de segmentos empresariais específicos por conta das atividades da Petrobrás. Além da construção civil, como disse na resposta anterior, o segmento de bens de capital – máquinas e equipamentos para as unidades de refinaria construídas – também foi amplamente beneficiado.
Você também analisa o alto escalão da Petrobrás a partir da ditadura de 1964.
Julio Cesar – Acredito ser um dos principais pontos da minha pesquisa foi tirar do “anonimato” esses personagens. Analisei a trajetória coletiva do alto escalão da diretoria da Petrobrás entre os anos de 1964 a 1988: de onde veio, como foi a gestão e para onde foi depois da empresa. A grande maioria, pós saída da Petrobrás, foi assumir grandes cargos no ramo privado petroquímico. Parte desses agentes saía com informações privilegiadas ou sigilosas, e ia para o alto escalão de empresas privadas, o que ajudou a ampliação do capital monopolista no setor petroquímico. Essa foi a grande tendência.
O exemplo mais paradigmático foi o de Ernesto Geisel. Antes de assumir como presidente do regime militar (1974-1979), ele comandou a Petrobrás entre os anos de 1969 e 1973. Depois, integrou a presidência da Norquisa-Nordeste e assumiu o Conselho de Administração da Companhia Petroquímica do Nordeste (Copene), criada para comprar ativo da Petrobrás e participar do processo de privatização da própria Copene.
A ideia que se tenta passar, no entanto, é que as gestões durante a ditadura foram técnicas.
Julio Cesar – Nada mais falso. É apenas um discurso ideológico, propagado pela mídia corporativa, para encobrir a verdadeira história. O discurso dominante foi realmente esse: da inserção de apenas técnicos nas estruturas do Estado e das empresas estatais, como a Petrobrás, onde o que prevalecia era a eficiência, a técnica e o objetivo era o desenvolvimento do País. A tal da eficiência gerencial tão destacada pelos tempos neoliberais.
Suspostamente, tais “técnicos” estariam fora do jogo de disputas políticas, quase que “protegidos” pelo profissionalismo. Repito, nada mais falso. Eram técnicos indicados por relações orgânicas com o capital privado e com os grupos empoderados no regime militar.
Daí chego ao segundo elemento da pesquisa: não existe segmento da burguesia empresarial bonzinho ou preocupado em participar da construção de um projeto de país. A burguesia nacional não pestaneja em fazer as maiores atrocidades contra os trabalhadores e a sociedade para assegurar seus interesses econômicos e políticos. A história do Brasil é feita desses ataques o tempo todo, desde a colonização, a escravização de pessoas.
A minha pesquisa demonstra, de forma sistematizada, os diversos segmentos quando se trata de coibir e reprimir os trabalhadores - da violência física, arrocho salarial aos ataques antissindicais. Eles não pestanejam em apontar suas armas para a sociedade brasileira.
Qual o recado para as pessoas que garantem a riqueza da Petrobrás – seja o trabalhador direto ou terceirizado?
Julio Cesar – Acredito que a Categoria Petroleira tenha a sabedoria necessária para preservar seu passado, compreender o presente para garantir uma empresa realmente voltada aos interesses brasileiros.
A Petrobrás é uma empresa estratégica. Ela está no coração do desenvolvimento do capitalismo brasileiro, precisamos lutar por uma Petrobrás mais popular e que atenda aos interesses da classe trabalhadora e da sociedade. A Petrobrás espelha a estrutura de classe da sociedade brasileira. Precisamos defendê-la dos abusos e colocá-la no rumo certo de discutir seriamente, por exemplo, a transição energética para sairmos da sociedade do hidrocarboneto. Aliás, com as emergências climáticas, está evidente que vivemos sob o domínio de uma economia suicida e criminosa.
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