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- * Artigo assinado de Renato Andrade Machado - Técnico de Operação da TE, ex-dirigente sindical do Sindipetro-LP e amigo do Miro.
Nesta homenagem ao companheiro Miro, que perdemos em maio último, não vou falar de maneira formal nem ressaltar e detalhar minuciosamente lutas como ex-sindicalista. Prefiro fazer um desabafo. Lembro-me dele como um amigo que dividiu, nos bastidores da luta sindical, várias decisões difíceis. Histórias essas que muitos não conhecem. Fatos que, de certa forma, foram distorcidos e nublaram a imagem de um amigo que muito se doou pela Categoria. Sem querer torna-lo um mártir, mas fazer justiça ao seu nome por ter sido desqualificado por pequenos e/ou, às vezes, grandes grupos como representantes da Petrobrás.
Para começar a entender o Miro, retomo uma cena que se repetiu várias vezes dentro da empresa [RPBC de Cubatão]: entrar na sala de controle e vê-lo escrevendo, no papel, de trás para frente e com as letras de cabeça para baixo. Ele tinha, ainda, uma grande memória fotográfica e raciocínio rápido. Traços, ou sinais, de sua imensa inteligência.
Brincadeiras à parte, mas quando tudo isso está aliado ao espírito de justiça isso o torna uma ameaça a muitos grupos com interesses individuais e questionáveis.
Vou citar alguns fatos que vão explicar o que digo.
Humanidade
Um hospital deu alta hospitalar em um quadro de infecção generalizada a uma dependente de um petroleiro. No desespero, ligaram para o Miro, que estava em reunião de saúde no Rio de Janeiro. Fato denunciado, uma comissão veio a Santos (de helicóptero) e constatou a denúncia (alta hospitalar inadequada). Refizeram a cirurgia (outro profissional) e a esposa desse petroleiro está viva, porém com sequelas, infelizmente. O caso foi acompanhado por junta médica da sede da Petrobrás. Coloco aqui palavras do funcionário: “Graças ao meu amigo querido Miro minha esposa está viva, descanse em paz. Minha dívida é impagável!”
Unidade sempre
Na inesquecível luta das 6 horas e 8 horas, na Refinaria de Cubatão. No grupo de 8 horas, vi pessoas babar de ódio pelas posições do nosso então coordenador sindical [do Sindipetro-LP] e de Saúde contra a jornada de 8 horas por ser prejudicial à saúde.
De um lado, grupos de olho nos 32% a mais de adicional, e apoiados, pasmem, pela empresa; no outro, ele que defendia o turno ininterrupto de 6 horas, pois a exposição era medida por valores exponenciais, por isso uma hora a mais na jornada diária fazia muita diferença. Estudos respaldados por instituições sérias, como a Fundacentro, e universidades públicas. Médicos perderam o cargo ou foram transferidos por conta dessa luta e tivemos 30 e poucas pessoas sendo acompanhadas e 13 retiradas da área doentes por benzenismo.
A frase que benzeno é prejudicial à saúde teve que ser instituída oficialmente, dentro da empresa e hoje vemos até em postos de gasolina. O lado patronal e o governo tiveram que se curvar a essa luta. Ele foi quase agredido por esse grupo no estacionamento do sindicato.
No final, após esse pleito ser judicializado, e um desembargador, que atuava em Brasília e era defensor das 6 horas e de renome que atuava em nosso favor – com custos bancados em vaquinha nos quase 200 funcionários simpatizantes do turno de 6 horas – dizer que poderia interromper qualquer ato modificativo pelo grupo das 8 horas, pelo fato das 8 horas ser inconstitucional. Ele abriu mão de vencer a questão que iria fazer uma divisão na Categoria, porque tinha uma luta muito grande batendo na porta, que era a luta pela nossa Petros, e precisávamos da Categoria unida por algo bem maior.
Caráter
Começa com o rompimento dele com a FUP [Federação Única dos Petroleiros] dentro de um congresso. Participávamos, ele como diretor e eu como simpatizante da articulação.
Não concordávamos com os rumos que estavam sendo tomados por dirigentes da federação em decorrência de um estreitamento de relações com o governo da época. Isso fez com que líderes sindicais se afastassem da diretoria e das lutas da Categoria para assumirem cargos de gerência no Sistema Petrobrás e na Petros.
Numa reunião de negociação salarial, onde eu estava presente, vi um gerente da empresa oferecer um cargo de gerência para tratar o assunto do benzeno para o Miro. Ele respondeu que soube que havia casos de cooptação dentro da Petrobrás, mas na cara dura e em frente de outras pessoas isso o surpreendia ainda mais. Pergunto se alguém o viu como gerente? Claro que não.
A resposta dele ao oferecimento desse gerente veio com mais ação: foi um dos líderes para a formação da FNP [primeiro como frente, depois como Federação Nacional dos Petroleiros] e da Intersindical, instrumentos importantes para não sermos engolidos pela Petrobrás.
Respeito
Miro era muito respeitado em todas as reuniões pela gerência local e da sede, pois todos os gerentes que batiam de frente com ele eram engolidos pelos conhecimentos de procedimentos e normas técnicas, que deveriam conhecer e não conheciam. Sendo esses gerentes chamados a atenção e humilhados perante todos, pelo gerente que comandava a mesa de negociação, digo apenas o que vi, não o que me contaram.
Toda essa luta e esforço foi feito por alguém que defendia o trabalhador incondicionalmente, mas muitos, muitos mesmos, se empenharam em desacreditá-lo, isso trabalhador dentro da área operacional. Incomoda-me, mais ainda, a contradição de saber que gerentes o reconheciam como íntegro e fiel a uma “causa”, mas que gente do nosso lado não o fez em vida.
Com toda a certeza, teria mais alguns feitos dele para contar, mas acho já é o suficiente o que descrevi acima.
Até o fim, o companheiro foi coerente com o seu discurso em defesa da Categoria Petroleira. Ele morava numa casa simples em São Vicente. É esse o legado que Miro deixa para todos nós: o da coerência entre discurso e prática.
Miro, descanse em paz. Você é uma daquelas pessoas que aparecem uma entre milhares. Agora escreva sua história desse outro lado, porque aqui já foi bem escrita.