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Crédito: Reprodução de foto a partir do site do Sindipetro-LP.
Rosângela Ribeiro Gil
Redação ABCP
[...] Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação,
da tortura, do horror,
retiramos algo e com ele
construímos um artefato
um poema
uma bandeira
(Ferreira Gullar, poema “Agosto 1964”)
Santos, terça-feira, 30 de maio de 2023 - Nesta terça-feira, 30 de maio, a Categoria Petroleira se enluta, mais uma vez. Perdemos Vicente Mendonça de Lima, ou simplesmente Vicentão. Valoroso, combativo, aguerrido, o companheiro nunca fugiu à luta.
Antigos companheiros, emocionados, prestam sua homenagem falando de um camarada que sabia o sentido de unidade, mobilização, organização e de classe trabalhadora.
Quando se aposentou dos quadros da Refinaria Presidente Bernardes (RPBC), de Cubatão, Vicentão partiu para uma nova jornada de luta no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Conheceu o líder José Rainha, no Pontal do Paranapanema (SP). Viveu e trabalhou no assentamento Che Guevara. Mesmo assim, quando a categoria fazia paralisações e movimentos importantes, Vicentão montava sua barraca em frente à RPBC para garantir o café da manhã e outras refeições, inclusive utilizando alimentos produzidos nos assentamentos do MST.
Entre tantas lutas que participou, como destaca o Sindipetro-LP em texto publicado em sua homenagem: “Ele esteve presente nas batalhas pelo turno de 6 horas e pela conquista dos 30% de periculosidade, além de ter contribuído significativamente para a união e fortalecimento de várias categorias. No entanto, foi no Sindicato dos Petroleiros do Litoral Paulista que ele ganhou destaque pelo seu papel fundamental na greve de 1995 [que durou um mês]. A história do sindicato se confunde com a própria trajetória de vida de Vicentão.”
O velório de Vicente Mendonça de Lima ocorrerá, nesta quarta-feira (31/5), das 10h às 14h, no Velório A - Vila Mariana - Av. Lacerda Franco, 2012 – B. A cremação será realizada no mesmo local. Nossos sentimentos à família – filhos e netos – e aos amigos.
Nas mensagens recebidas pela ABCP, que reproduzimos a seguir, todas destacam a dignidade humana de Vicente.
Maurício Moura, aposentado da RPBC
Grande companheiro e irmão de tantas lutas, Vicente, o amigo da barraca sempre presente nas greves, onde nunca faltava um café, um rango ou um esquenta peito para espantar o frio. Sempre trabalhando pela vitória das greves.
Um amigo que vai ser lembrado por sua fibra, seu companheirismo. Todos o amavam. Era impossível não gostar do velho amigo Vicente com sua barba e cabelos brancos e seus firmes olhos azuis sempre atentos, sempre gentil, amigo de todos e de todas. Só não gostava de pelegos, sempre foi um bravo guerreiro.
Quando se aposentou foi para o Pontal [do Paranapanema] ajudar o valoroso MST com sua grande experiência de carpinteiro e de manutenção, se tornou logo muito querido e a criançada o chamava, carinhosamente, de Papai Noel. Contribuiu muito com a importante luta dos sem-terra. Quando retornou à [cidade de] São Paulo deixou seu lote todo cultivado aos companheiros que o amavam como um pai ou um avô.
Vicentão sempre respondia às pessoas com calma, e sabedoria! Como nos orgulhamos de tê-lo como companheiro e camarada. Choramos a tua ausência, pois sempre vamos ter saudades, que é à vontade muito grande de querer ver outra vez!
Que Deus o abençoe, companheiro, irmão, camarada, que seu ciclo espiritual seja repleto de luz, paz e amor, tudo o que você sempre transmitiu aos que tiveram o privilégio de te conhecer.
Vicente, presente!”
Averaldo Menezes, ex-presidente do Sindipetro-LP
Vicentão é meu segundo pai. Estou realmente muito emocionada desde que recebi a triste notícia, na manhã desta terça-feira, pela filha dele.
Quando entrei na Refinaria, em 1978, ainda numa contratada, sempre via um senhor de bicicleta, um pintor, mobilizando os trabalhadores o tempo todo. Alguns o chamavam de louco ou de Papai Noel, mas aquele senhor me chamou a atenção desde o início, mas pelo lado da admiração. Depois como funcionário direto da empresa, eu convivi mais com o Vicente e nos tornamos diretores do sindicato [Sindipetro-LP].
A luta estava na alma do Vicentão sem-terra, tanto que quando ele se aposenta vai conhecer o José Rainha, no Pontal do Paranapanema. Ele só retornou depois de dez anos por causa de problemas na visão. Nesses dez anos junto ao MST, quando os petroleiros faziam movimentos de greve, ele vinha e montava a sua barraca para garantir alimentação para todos nós. Ele realmente cuidava da gente. Posso dizer, sem errar, que ele era o sentido real e puro do que é ser humano.
Quero falar, também, do Vicentão guerreiro. Ele participou de todas as lutas da categoria. Sempre estava na barraca, fazia o nosso café da manhã e, mais importante, quando aparecia um companheiro indeciso ou com medo ele tinha toda a calma necessária, e sabedoria, para conversar e explicar a importância da luta e da unidade. Esse é o Vicente que aprendi a amar e admirar.
Iniciei 2023 com um sentimento forte de querer revê-lo. Resido, hoje, no Rio Grande do Sul. Uma necessidade que foi crescendo e acabei vindo para São Paulo. Nos encontramos no final de fevereiro e início de março [foto]. Ele já estava cego. Foi meu último encontro com o Vicente, com o meu amigo.
A filha dele me ligou hoje [terça-feira] e me deu a notícia. Estou arrasado, é como se estivesse perdendo, pela segunda vez, um pai.”
Sérgio Salgado, aposentado da RPBC
Conheci o Vicentão ainda nos anos 1970, eu tinha menos de 30 anos de idade. Trabalhava na Casa de Força, na parte administrativa, que ficava dentro do complexo operacional, atrás do antigo sistema de segurança. Nesse local, íamos buscar liberação de serviços com a parte da manutenção. Foi aí que conheci o Vicente. Ficávamos conversando e as ideias foram se juntando e criando vínculos de simpatia e ações em defesa dos direitos dos trabalhadores.
Nos conhecemos ainda mais quando estávamos no sindicato. Ele tinha opiniões fortes, mas como sindicalista era simples, objetivo e positivo. Posso afirmar, sem sombras de dúvida, que o Vicente, para mim, é o melhor exemplo de um sindicalista. Uma qualidade ímpar.
Ele não tinha um protagonismo fútil ou de discurso, ele era ‘chão de fábrica’, colocava a ‘mão na massa’. Estava sempre pronto para ajudar e servir o pessoal no que fosse necessário. Estar com ele era a certeza de mobilizações corretas e com as melhores consequências.
Tanto isso é verdade que quando ele se aposenta, ele muda para o Pontal do Paranapanema. Ele vai para lá não como liderança, mas para trabalhar, como mão de obra para ajudar a construir o movimento.
Ele não tinha inimigos. Ele tinha uma forma tão especial de se relacionar com as pessoas que é difícil imaginar alguém que não gostasse dele.”