Aguarde, carregando...

SOMOS AUXÍLIO
SOMOS RESISTÊNCIA
SOMOS UNIÃO

Diretoria ExecutivaNOTÍCIAS

Liberdade individual acima de tudo e de todos: a precarização

29/04/2023

  

Liberdade individual acima de tudo e de todos: a precarização

Imagem acima reproduzida a partir do texto "Ovo da serpente", publicado no site Jornalistas Livres.

Rosângela Ribeiro Gil
Redação ABCP

[...]quanto menos se sabe do passado e do presente, tanto mais incerto é o juízo acerca do futuro. (Freud, em “O futuro de uma ilusão”)

Em seu filme Sorry we missed you (2019), o diretor inglês Ken Loach traz a história de uma família inglesa – pai, mãe e dois filhos. A película começa com um diálogo entre o operário Ricky Turner e um tomador de serviços de entrega rápida, Gavin Maloney. Turner descreve a sua trajetória laboral até aquele momento e finaliza dizendo que não aguentava mais ter uma chefia ou cumprir ordens, por isso estava optando a deixar seu passado operário para trás para trabalhar sozinho agora, ser seu próprio chefe.

O diálogo inicial é quase uma “alegoria” do capitalismo contemporâneo que desorganiza as relações de trabalho para transformar o/a trabalhador/a em chefes de si mesmo, como quer o operário inglês, personagem do filme. Outra situação que remete aos tempos atuais de defenestrar tudo que vem do Estado é quando o operário rechaça a ideia de receber o seguro-desemprego e que preferiria morrer de fome. De novo, temos a ideia da oposição mercado livre, que muito se aproxima à ideia de “ter liberdade”, em contraposição ao Estado.

Ao longo da projeção, vamos ver esse operário “empreendedor” trabalhar 14 horas diárias durante seis dias, sem qualquer direito, sem descanso, sem poder abandonar o volante mesmo doente ou ferido. Apesar do discurso de que seria chefe dele mesmo, ele recebe ordens, multas pelo não cumprimento de prazos de entrega.

A desconstrução do arcabouço do Direito do Trabalho de mais de seis décadas, no Brasil, obedece a essa mesma ordem descrita na película do diretor Loach de captura de dimensões subjetivas, como o da liberdade.

Nos discursos relacionados à defesa da reforma trabalhista de 2017, subjaz a ideia de que o fim da intervenção do Estado nas relações trabalhistas, o trabalho autônomo, o indivíduo-empresa, os microempreendedores individuais (MEIs) e outros tipos de vínculo de trabalho – sem o sê-lo por direito perante a lei – configuram um sistema mais justo, promissor e que liberta o/a trabalhador/a de qualquer tipo de subjugação externa, sendo ele/a, portanto, livres para trabalhar do jeito que quiserem.

As transformações nas relações capital e trabalho, no Brasil, a partir de 2017, se dão num contexto de um discurso massivo sobre a economia brasileira que coloca os males nacionais “na conta” dos direitos que são conferidos ao trabalho desde a promulgação da CLT, da década de 1940 – sendo que, nesse período de quase 60 anos, o Brasil experimentou fases substanciais de crescimento econômico.

O desemprego, que se acentuou no final da primeira década dos anos 2000, também foi debitado à regulação do trabalho. O minguado investimento dos setores econômicos foi associado à falta de liberdade de contratação por parte das empresas, que estariam “presas” à formalidade do registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), que ainda ostentava a inscrição Ministério do Trabalho e, depois, Ministério do Trabalho e Emprego.

Desta forma, a fábula da liberdade faz o/a trabalhador/a trocar direitos por supostas vantagens imediatas de não se ter um “chefe para encher o saco” ou ser “senhor/a do seu próprio destino”.

Série Primeiro de Maio: passado, presente e futuro:
Primeiro de Maio: passado, presente e futuro do trabalhador e da trabalhadora
O falso brilhante neoliberal: trabalho sem regulação, terceirização e empreendedorismo
A máquina neoliberal de triturar gente
Breve história da classe trabalhadora brasileira por Waldemar Rossi