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Marcelo Juvenal Vasco (foto acima) fala sobre a Petrobrás que distribui dividendos milionários aos acionistas, mas que não garante condições de trabalho dignas à Categoria Petroleira. Lutas sindicais são importantes para pressionar diretoria da empresa a mudar essa triste realidade.
Rosângela Ribeiro Gil
Redação ABCP
Fotos: Divulgação | Sindipetro-LP
Neste 28 de abril, Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes do Trabalho, a ABCP presta homenagem aos trabalhadores e às trabalhadoras vítimas de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho no Brasil e no mundo. Infelizmente, os números mostram uma triste realidade no País.
No início deste mês, a Procuradoria-Geral do Trabalho (PGT) divulgou a atualização dos dados de acidentes do trabalho do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, desenvolvido no âmbito da Iniciativa SmartLab de Trabalho Decente, parceria entre MPT e o Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para o Brasil. Segundo a atualização, 6,7 milhões acidentes de trabalho, com 25,5 mil mortes, foram comunicados, no País, entre 2012 e 2022.
Somente no ano passado, tivemos um cenário ainda mais trágico: foram 612,9 mil acidentes de trabalho, e 2.538 pessoas morreram enquanto exerciam suas funções – um aumento de 7% em relação a 2021. Os números contabilizam apenas casos em empregos formais, ou seja, há uma subnotificação.
Situação que também se reflete no ambiente de trabalho da Petrobrás. Em entrevista especial à ABCP, o coordenador do Departamento de Saúde, Segurança e Meio Ambiente do Sindipetro-Litoral Paulista, Marcelo Juvenal Vasco, fala sobre a situação enfrentada, hoje, pela Categoria Petroleira. Uma realidade do “chão de fábrica” que não aparece para a sociedade. Chega aos brasileiros e brasileiras somente a Petrobrás que distribui dividendos milionários aos acionistas, que deixa o senhor mercado nervoso (ou feliz) com alguma mudança na política de combustível ou que privatiza seu patrimônio.
Nesta entrevista, Juvenal desnuda uma outra empresa: a do dia a dia dos petroleiros e petroleiras de refinarias, terminais e plataformas que constroem o gigantismo da Petrobrás e de como essa “relação” entre geração de riqueza e desenvolvimento e ambiente de trabalho seguro está (ou é) totalmente desproporcional.
Enquanto os acionistas embolsam bilhões de reais, a categoria ganha seu salário arriscando, todos os dias – de manhã, de noite e de madrugada – sua saúde e sua vida. Mas realmente precisaria ser assim? É por isso que os sindicatos existem e devem continuar mobilizando e organizando os petroleiros e petroleiras em defesa do direito à vida, à saúde e de salário e direitos dignos. Nenhum trabalho pode significar morte, adoecimento ou mutilação.
Confira a entrevista, na íntegra, a seguir.
Qual é o ambiente de trabalho, hoje, na RPBC e outras unidades da Petrobrás abrangidas pelo sindicato local, é seguro para os trabalhadores – sejam eles diretos ou terceirizados?
Marcelo Juvenal Vasco – Dentro das áreas industriais – nas refinarias, terminais, termoelétricas, unidades de produção de gás natural ou plataformas de produção de petróleo – posso afirmar que nenhum ambiente de trabalho na Petrobrás é seguro devido a sua alta complexidade e dos riscos que estão presentes. Por mais que os riscos estejam sendo controlados, o perigo está presente nas atividades dos trabalhadores diretos e contratados.
A precarização ocorrida na Petrobrás, nestes últimos quatro anos, provocou uma elevação desses riscos por causa de diversos fatores. Entre eles, temos a redução do efetivo próprio operacional sem a devida reposição para operar de forma segura as instalações e unidades nos momentos de crises e emergências de processo; a redução também do efetivo próprio de manutenção para dar celeridade ao conserto de equipamentos danificados ou acompanhamento na manutenção destes antes mesmo do incidente ocorrer. Além disso, sofremos a redução no efetivo de trabalhadores contratados que executam as manutenções necessárias.
Todas essas reduções foram acompanhadas pelo aumento da jornada de trabalho e elevação do número de horas extras – um ritmo insano e desumano que provoca fadiga, desgaste e adoecimentos relacionados a doenças musculoesqueléticas e até mentais.
A intensificação do trabalho e o acúmulo de atividades redistribuídas aos trabalhadores diretos e contratados acabam provocando falta de atenção e concentração, que pode elevar o número de acidentes e vítimas na indústria do petróleo.
Quais os principais problemas enfrentados hoje pelos petroleiros – tanto da operação e administrativo?
Marcelo Juvenal Vasco – Posso dizer que os maiores problemas são gerados pela própria gestão da empresa, e poderiam ser evitados se colocassem a mão de obra como seu maior patrimônio.
É necessário dar atenção e voz aos trabalhadores do “chão de fábrica” nos momentos de insegurança de processo, mas também corrigir as péssimas condições encontradas na relação do trabalho visualizadas nos seus benefícios médicos e previdenciários.
É importante valorizar e dar autonomia aos cipeiros, pois eles contribuem na busca de um ambiente seguro e salubre. Se faz necessário valorizar as instituições sindicais, porque é por meio delas que os trabalhadores fazem uso da sua voz.
É necessário acabar com os programas de remuneração por competitividade entre os próprios colegas de trabalho que, muitas vezes, beneficiam poucos em detrimento daqueles que realmente contribuem para o crescimento da Petrobrás.
Importante reconhecer a atividade complexa dos petroleiros diante de atividades com agentes que cientificamente fazem mal à saúde, reconhecendo os riscos e garantir que seu trabalho ocorra em condições especiais ensejando o direito à aposentadoria especial para que não morram prematuramente em função do trabalho.
Os riscos ambientais de trabalho, numa petrolífera, como a Petrobrás, podem ser agentes físicos, químicos ou biológicos, riscos de acidentes e riscos ergonômicos, podendo causar danos à saúde do profissional em função da sua natureza, concentração, intensidade, tempo de exposição ou falta de equipamentos de proteção apropriados. Ou seja, se classificam os riscos em físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e acidentais. São só esses mesmos? Quais os fatores que contribuem para aumentar e potencializar os riscos de acidentes e doenças no ambiente de trabalho da Petrobrás?
Marcelo Juvenal Vasco – Para mim, esse tema é o mais importante, e é o que me motivou, nesses 16 anos atuando no movimento sindical, a melhorar as condições do nosso trabalho. É o que me fez evoluir tecnicamente em 2016, ao decidir fazer pós-graduação na área da Engenharia de Segurança do Trabalho.
Os petroleiros são expostos diariamente a múltiplos fatores nocivos e não existe, no Brasil, pesquisas sobre o agravo dessa sinergia toxicológica. São expostos a vários riscos físicos e químicos, algumas vezes acompanhado de riscos biológicos, numa mesma jornada de trabalho e por toda a sua vida laboral sem o devido reconhecimento. Costumo dizer que a atividade do trabalhador petroleiro está além da insalubridade e da periculosidade, mas também se enquadra numa condição de penosidade.
Para melhor entendimento, cito, como exemplo, o caso de um operador de unidade de Coque de Petróleo, mas tenho ainda casos de petroleiros em piores condições. O operador de Coque está exposto a diversos agentes nocivos a sua saúde. São eles: riscos físicos (ruído acima dos limites de tolerância da NR15 [Norma Regulamentadora] e radiação ionizante por Césio 137), riscos químicos (carvão mineral de petróleo, benzeno, gás natural – todos considerados agentes cancerígenos pela Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos [Linach], além de diesel e naftas considerados insalubres pela NR15.
Para mim, cada exposição individual citada é caracterizada como insalubre, mas quando diversas exposições nocivas interagem no organismo humano durante uma mesma jornada de trabalho, ainda perfazendo regime de turnos de trabalho, entendo que caracteriza não somente a insalubridade e periculosidade, mas também a penosidade, esta última, embora prevista na Constituição Federal de 1988, infelizmente não foi regulamentada pela CLT [Consolidação das Leis do Trabalho].
É uma situação que caracteriza um ambiente de trabalho que daria direito à aposentadoria especial, como o senhor já mencionou, inclusive.
Marcelo Juvenal Vasco – A aposentadoria especial dos petroleiros está mais do que comprovada, precisamos apenas que os gestores da Petrobrás entendam que a maioria dos petroleiros morre de câncer. Observações feitas, em 2018, pelo Departamento de Saúde e Segurança do Sindipetro Litoral Paulista comprovam que os petroleiros diretos morrem numa intensidade de 2,5 (duas vezes e meia) a mais que a população local a qual estão inseridos. Além disso, foi observado elevados casos de cânceres raros de boca e língua.
Uma empresa que repassa altíssimos dividendos aos seus acionistas, mas maltrata, explora, subnotifica e adoece seus trabalhadores, deveria garantir o tratamento médico por vias da AMS sem custo nenhum e de forma vitalícia para tratamento dos ativos e principalmente dos aposentados que, provavelmente, sofrerão com adoecimento por câncer em virtude dessas exposições cancerígenas e da sinergia dos agentes químicos.
Como acabar com a tríade morte, adoecimento e mutilação na Petrobrás?
Marcelo Juvenal Vasco – É necessário mudar a política de SMS [Segurança, Meio Ambiente e Saúde] da Petrobrás e inserir sua mão de obra como maior patrimônio. Entendo que, desta forma, o reconhecimento às exposições a cancerígenos dever ser encarado com maior rigor e não estimular trabalhadores expostos a essas condições em elevar suas jornadas de trabalho – o que significa prolongar sua exposição aos agentes nocivos, o que pode intensificar a possibilidade do surgimento de doenças graves, como o câncer.
Outro ponto é fazer a reposição do efetivo por meio da abertura de concursos públicos para reduzir a intensificação e acúmulo de tarefas de modo a contribuir com a redução do adoecimento físico e mental.
Necessário, ainda, rever os programas de acompanhamento de saúde mental diante dos inúmeros casos de assédio moral e sexual e criar mecanismos de prevenção e de eliminação dessas práticas que muitas vezes levam ao adoecimento e até mesmo ao suicídio de seus trabalhadores.