NOTÍCIAS
Então, apesar de já ter escrito outros textos, resolvi escrever mais este.
O pacote de projetos de lei do Novo Marco Regulatório da Indústria do Petróleo e Gás enviado ao Congresso Nacional no terceiro trimestre de 2009 incluía o projeto de lei (PL) Nº 5949 da Cessão Onerosa. Um grupo técnico de estudos (1) havia sido criado no início do mês pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para elaborar o programa exploratório com o objetivo de aprofundar os conhecimentos geológicos e geofísicos das áreas do pré-sal da União ainda não licitadas e técnicos da Petrobrás foram indicados a pedido da agência para participar do mesmo.
A Cessão Onerosa foi o mecanismo encontrado pelo governo do PT para reforçar o caixa da Petrobrás para enfrentar os desafios de exploração e desenvolvimento no pré-sal, que, de fato, exigiam investimentos de bilhões de dólares. Através do contrato da Cessão Onerosa, a União cederia à Petrobrás o direito de produzir até 5 bilhões boe (barril de óleo equivalente). A estatal pagaria de uma só vez pelos barris a serem produzidos, os quais foram alocados em seis áreas definitivas. Estas áreas eram: Florim (Itapu), Franco (Búzios), Nordeste de Tupi (Sépia), Sul de Tupi (Sul de Lula) e Sul de Guará (Sul de Sapinhoá). A área de Peroba ficaria como área contingente a ser usada apenas se o volume contratado não estivesse presente nas áreas definitivas. Com a Cessão Onerosa o governo teria também a oportunidade de aumentar a participação do estado brasileiro no controle da estatal.
Algo semelhante havia sido feito em 2001 pela Coroa Norueguesa por determinação do congresso daquele país, o Storting (2), antes da privatização parcial de sua estatal de petróleo e gás, a Statoil, que recentemente passou a se chamar Equinor (3). Na época, a Coroa vendeu para a estatal 15% de seu portfólio de direitos de campos de petróleo e gás.
Após a tramitação na Câmara (4), o projeto de lei foi aprovado no Senado (5) e a Lei N° 12.276 (6) foi sancionada pelo presidente Lula em 30 de Junho de 2010. Em meados de setembro, após o Conselho Nacional de Política Energética aprovar os termos do contrato (7), União e Petrobrás assinavam o tão esperado contrato da Cessão Onerosa (8). Entre 2010 e 2014, a Petrobrás executou as etapas de exploração e delimitação dessas áreas. Ainda em dezembro de 2009, havia sido iniciada, com autorização especial, a perfuração do poço de Franco (2-ANP-1-RJS) que, em 10 de março, confirmou a descoberta de uma nova jazida, a qual poderia vir a integrar as áreas da Cessão Onerosa se e quando a lei fosse aprovada (9). O primeiro poço a ser perfurado após a assinatura do contrato foi o poço de extensão denominado Franco Noroeste (3-RJS-688A) que comprovou a presença de reservatórios saturados com óleo de 28° API a 7,7 km na direção noroeste do pioneiro descobridor (10).
A etapa de exploração das seis áreas da Cessão Onerosa incluiu a aquisição de levantamentos sísmicos 3D, a perfuração de poços exploratórios e a aquisição de dados geológicos através de perfis petrofísicos e testes de formação que confirmaram a presença de petróleo de excelente qualidade nos reservatórios de excelentes propriedades permo-porosas na camada do pré-sal. A etapa de delimitação incluiu a perfuração de poços de extensão para delimitar as acumulações em cada bloco e os testes de longa duração para conhecer melhor o comportamento do reservatório e assim, otimizar as unidades de produção definitivas.
Em dezembro de 2013, reconhecendo a importância estratégica daquela acumulação para a Companhia, a Petrobrás efetuou a declaração de comercialidade da área de Franco, que deu origem ao campo de Búzios (11). Até o final de 2014, as declarações de comercialidade de todas as seis áreas definitivas da Cessão Onerosa já tinham sido efetuadas (12) (13).
A revisão prevista na Lei e no contrato da Cessão Onerosa deveria iniciar após a declaração de comercialidade de cada área. Os estudos realizados pela Petrobrás revelaram, ainda em 2014, que os volumes de petróleo in situ - VOIP (14) e de óleo equivalente recuperável - VOER (15) nas seis áreas eram superiores ao volume de óleo equivalente recuperável contratado na Cessão Onerosa, o que dava origem aos excedentes calculados pela ANP para as áreas de Búzios, Entorno de Iara (Norte e Sul de Berbigão, Norte e Sul de Sururu e Oeste de Atapu), Sépia e Itapu. Com base nestes estudos da Petrobrás, equivaliam a algo entre 9,8 bilhões a 15,2 bilhões boe (16). Somando-se estes volumes excedentes aos 5 bilhões boe, têm-se nestas áreas algo entre 15 e 20 bilhões boe de volume recuperável. Trata-se de um volume altíssimo que com o desenvolvimento será transformado em reservas e produção. Com o início da produção da P-74, primeira unidade de produção definitiva instalada no campo de Búzios, este tornou-se o primeiro campo da Cessão Onerosa a ter um sistema de produção definitivo instalado (17). Em seu comunicado oficial a empresa informou que, devido ao elevado potencial de produção do campo, mais quatro unidades com a mesma capacidade de produção diária (150 mil b/d) estão previstas para serem instaladas entre 2018-2021.
Ainda em 2014, com base nos novos fatos apresentados na 28ª reunião do Conselho Nacional de Política Energética, presidida pela então presidente Dilma Roussef (18), foi aprovada a contratação direta da Petrobrás para a produção em regime de partilha com a União do excedente da Cessão Onerosa, em conformidade com a Lei da Partilha (Lei 12.351/2010) (19) vigente à época em sua forma original. Na ocasião as justificativas para a União propor a contratação direta foram: acelerar a produção nas áreas não contratadas com retorno financeiro para o país; permitir um projeto único e otimizado desde o início; assegurar volumes importantes para a produção da empresa estatal brasileira; e eliminar inseguranças jurídicas. Através desta contratação direta da Petrobrás seriam gerados R$ 642,3 bilhões em royalties e excedente em óleo para a saúde e educação, sendo o montante reservado para esta última equivalente a R$ 481,7 bilhões.
Mas em 12 de novembro de 2014 pouco depois de Aécio Neves (PSDB-MG) perder no segundo turno as eleições presidenciais para Dilma Roussef, que foi reeleita, um processo no qual o relator era o ministro do TCU, José Jorge Vasconcelos Lima, pediu a revisão do Contrato da Cessão Onerosa antes que pudessem ser assinados os contratos da contratação direta sob regime de partilha para a produção dos excedentes (20). Caso isto não tivesse ocorrido, a ANP teria elaborado os contratos da produção dos Excedentes da Cessão Onerosa, e estes teriam sido assinados pela União representada pela estatal PPSA e a Petrobrás antes do impeachment, em 2016.
Vale lembrar quem é José Jorge, que foi ministro de Minas e Energia no segundo governo FHC em 2001 (21), vice na chapa de Alckmin em 2006 (22) quando aquele concorreu e perdeu para Lula, e ministro do caso da refinaria de Pasadena. Pasadena foi um dos “escândalos” favoritos da mídia hegemônica para tentar barrar a reeleição de Dilma Roussef em 2014.
O projeto de lei PL 8939/2017 (23) do deputado federal José Carlos Aleluia (DEM-BA), já aprovado na Câmara Federal, prevê a autorização para a Petrobrás vender até 70% das áreas da Cessão Onerosa. Até a gestão de Graça Foster, estas áreas eram consideradas estratégicas para a Companhia, pois nas palavras dela própria, propiciariam: "a reposição da produção acumulada de seis anos no período de 2020-2030 (reposição de 1,6 a 1,8 bilhão boe/ano); antecipação de um volume potencial com baixo risco exploratório (Índice de Sucesso Exploratório de 100%); possibilidade de maior seletividade nas futuras licitações de áreas exploratórias; economia de custos de descoberta de US$ 26 bilhões (seriam necessários para adquirir áreas (pagamento de bônus), descobrir e delimitar (sísmica, poços pioneiros e de delimitação) o volume potencial estimado dos Excedentes da Cessão Onerosa); e economia de custos de descoberta estimada em US$ 18 bilhões no período de 2015 a 2021" (24).
O que a população brasileira não sabe é que campos gigantes (campos com reservas superiores ou iguais a 500 milhões barris) e supergigantes (campos com reservas superiores ou iguais a 5 bilhões barris) como estes do pré-sal em geral e da Cessão Onerosa em particular, são estratégicos para qualquer país, pois contêm grande parte das reservas mundiais e são responsáveis por grande parte da produção mundial de petróleo (25) (26).
Sobre campos gigantes, nas últimas cinco décadas foram escritas cinco publicações especiais da prestigiada American Association of Petroleum Geologists (AAPG) onde aqueles interessados poderão encontrar diversos campos importantes da Petrobrás. Ressalte-se que nestas o conceito de campo gigante variou um pouco ao longo do tempo, sendo às vezes necessário um menor volume para que um campo fosse considerado gigante em algumas bacias. O limite dos 500 milhões de barris já foi usado apenas para áreas especialmente prolíficas como o Oriente Médio e a Sibéria.
O primeiro desta série foi o Memoir 14 (Halbouty, 1970) sob o título Geology of Giant Petroleum Fields (27) sobre o qual o artigo General Geology and Major Oil Fields of Reconcavo Basin, Brazil (Ghignone & Andrade, 1970) falava daquela que fora a primeira bacia petrolífera brasileira a dar resultados expressivos ainda antes da criação da Petrobrás.
No segundo, o Memoir 30 (Halbouty, 1980) sobre os campos gigantes de petróleo e gás da década de 1968-1978 temos "The Namorado Oil Field" (Bacoccoli et al., 1980). No terceiro, o Memoir 54 (Halbouty, 1992) que trata dos campos gigantes de petróleo e gás da década de 1978-1988 (28), a participação dos campos da Petrobrás aumenta para dois capítulos, o primeiro versando sobre os campos gigantes de Marlim e Albacora (Candido & Corá, 1992), e outro descrevendo os campos gigantes de Linguado, Carapeba, Vermelho, e Marimbá (Horschutz et al., 1992).
O quarto volume de campos gigantes, o Memoir 78 (Halbouty, 2014) (29) traz em seu quarto capítulo o artigo intitulado “Barracuda and Roncador Giant Oil Fields, Deepwater Campos Basin, Brazil” (Rangel et al., 2014). Na publicação o campo de Roncador é apontado como a segunda maior descoberta da década (30), ficando atrás apenas do campo de Azadegan, descoberto no Irã em 1999. Curiosamente, este campo supergigante iraniano ultrapassa a fronteira do Iraque (31) (32), país no qual muda de nome e passa a se chamar Majnoon! Este último um gigante velho conhecido dos geólogos do braço internacional da Petrobrás, a Braspetro, que o descobriu em 1975 através de um contrato de risco assinado com o governo do Iraque. O quinto e último volume publicado, Memoir 113 (Merill & Sternbach, 2017) (33) sobre os campos gigantes da década de 2000-2010 traz dois capítulos sobre campos do Pré-sal brasileiro, o primeiro "Libra: A New Giant in the Brazilian Presalt Province" (Carlotto et al., 2017), e o segundo sobre a descoberta da acumulação de Pão-de-Açúcar no pré-sal da Bacia de Campos (antigo BM-C-33) pela Repsol (De Luca et al., 2017).
Conhecer a história da exploração de petróleo e gás no Brasil é fundamental neste momento crucial. Façamos uma viagem no tempo aos anos 70. Em 1973 temos a Guerra do Yom Kippur (34) onde mais uma vez os países árabes perdem para Israel. Em retaliação a OPEP, criada em 1960 porém subestimada até então pelos países desenvolvidos consumidores de petróleo, quadruplica o preço do barril de petróleo e embarga as exportações para os países que haviam se aliado à Israel, EUA, Holanda e Dinamarca (35). Pressionadas pela perda de reservas e produção com as nacionalizações nos países produtores de petróleo, as multinacionais norte-americanas e européias vêm em busca da Bacia de Campos logo após a descoberta de Garoupa (1974) (36). No rastro de Garoupa, a PETROBRAS vinha numa sucessão de descobertas entre as quais Namorado (1975). O relatório Nehring (37) sobre os campos gigantes de petróleo no Mundo feito para CIA em 1978 apontava Namorado como nosso primeiro gigante. Os espiões desconheciam que Carmópolis (38) descoberto em 1963 na Bacia de Sergipe-Alagoas era gigante. Em 1978 temos a revolução iraniana e a interrupção da produção daquele país então responsável por 7% da produção de petróleo mundial (39). Era uma resposta aos anos de tirania do Xá Reza Pahlavi que fora posto no comando pelos EUA e Reino Unido em 1953 num golpe militar que depôs o primeiro ministro Mossadeq (40) que em 1951 se atreveu a nacionalizar o petróleo do Irã.
No Brasil de 1979, acontecia um grande esforço exploratório da Petrobrás, que apesar de deter muito menos sondas do que vários países, fazia do Brasil o 2º país em perfuração de poços no mar, ficando atrás apenas dos EUA (Bueno, 1980) (41). Mas, apesar disto, a produção nacional não era suficiente para atender o consumo. Com o aumento do preço do barril em 1979, fechamos a década com uma dívida externa que crescia num ritmo assustador e as importações de petróleo somavam 1/5 da dívida. Assim os militares, apesar de nacionalistas, estavam pressionados e as multinacionais que haviam arrancado de Geisel os Contratos de Risco de Produção de Petróleo e Gás em 9 outubro de 1975 (42) (43), tentaram através do Ministro das Minas e Energia mudar as regras do contrato de risco para se apoderarem das águas profundas da Bacia de Campos.
As multinacionais conheciam o potencial elevado destas áreas, pois os navios que faziam a aquisição sísmica eram navios de seus países de origem. Através da sísmica é que se faz o mapeamento das estruturas a serem testadas pela perfuração de poços quanto à presença de hidrocarbonetos, que se presentes em volumes econômicos darão origem aos futuros campos. Em um telegrama enviado em 29 de dezembro de 1979, o então ministro de Minas e Energia, César Cals, afirmando falar também em nome do presidente da República, o general João Figueiredo, ordenava à Petrobrás que entregasse às multinacionais as áreas que estas quisessem, incluindo os estudos já realizados pelos técnicos da Companhia. Geólogos e engenheiros da companhia fizeram esta grave denúncia chegar ao senador Teotônio Vilela MDB-AL, o pai.
Assim, em 14 de abril de 1980, o senador Teotônio Vilela pede a palavra e faz no Congresso Nacional um emocionado discurso (44) denunciando a manobra das multinacionais objetivando a mudança das regras dos contratos de risco para poderem se apropriar das águas profundas da Bacia de Campos. No dia seguinte, 15 de abril de 1980, a manchete do jornal A tribuna da Imprensa do saudoso Hélio Fernandes era "Teotônio convoca militares para conter César Cals" (45). A resposta da sociedade ao apelo do senador foi imediata. Um exemplo foi dado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) que declarava sua posição contrária ao entreguismo na mesma edição do jornal. Juntos, os setores nacionalistas civis e militares conseguiram evitar que as águas profundas fossem entregues às multinacionais. Mas as áreas da Bacia de Santos permaneceriam por mais de uma década na mão das multinacionais.
Podemos nos perguntar o que teria acontecido se o nacionalismo não tivesse triunfado naquela ocasião. A resposta é muito simples. Teríamos perdido todo o pós-sal da Bacia de Campos em águas profundas e ultra-profundas. Ainda na década de 80, a Petrobrás descobriu os cinco primeiros gigantes da Bacia de Campos (Albacora em 1984 (46), Marlim em 1985 (47), Albacora Leste em 1986 (48), Marlim Sul (49) e Marlim Leste em 1987) (50). Vale lembrar que estes campos já produziram juntos mais de 5 bilhões de barris e que, em 2006, quando atingimos a autosuficiência volumétrica (51)(produzimos o mesmo número de barris de petróleo que consumíamos em derivados de petróleo), os campos da Bacia de Campos respondiam por 90% da produção nacional.
Assim, o agente fundamental nesta história que salvou as águas profundas da Bacia de Campos para a Petrobras e a sociedade brasileira foi o Congresso Nacional. A importância da BC, como a chamamos carinhosamente, naqueles conturbados anos 70 e 80, é a mesma do Pré-sal hoje em dia. No cabo de guerra tínhamos, de um lado, o poderoso lobby das multinacionais e, do outro, a Petrobrás, a estatal de petróleo e gás que surgira do maior movimento popular já registrado na história do Brasil.
O petróleo é nosso
A campanha "O Petróleo é Nosso" (52), iniciada em 1948, reuniu de comunistas a militares que juntos enfrentaram não balas de borracha do pós-impeachment, mas balas de verdade. O triunfo da vontade popular veio com a assinatura da Lei 2004 (53) em 3 de outubro de 1953 pelo presidente Getúlio Vargas criando o monopólio estatal do petróleo e a Petrobrás.
Passaram-se os anos e a Petrobrás sempre cumpriu seu compromisso com a sociedade brasileira, de buscar com todos os seus esforços produzir a energia necessária para desenvolver o Brasil. Em 1988, tivemos o monopólio protegido pela Constituição Cidadã e mais uma vez uma aliança entre a sociedade e o Congresso Nacional para o benefício do Brasil. Mas, em 1997, veio a Quebra do Monopólio no primeiro governo FHC (54) e, em 1999, foi realizado o primeiro leilão de blocos sob o regime de concessão (55) pela recém criada ANP.
Durante os anos dos dois governos FHC a Petrobrás passou por um processo de desmonte que foi interrompido com a vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores em 2002. A partir daí, aumentaram os investimentos da Companhia na economia brasileira. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas de 2015 mostra que para cada bilhão investido pela Petrobrás na economia, R$ 1,45 bilhão eram gerados de forma indireta, totalizando um investimento de R$ 2,45 bilhões (56).
A Petrobrás, como operadora dos blocos do cluster (BM-S-8, BM-S-9, BM-S-10 e BM-S-11) arrematados na 2ª Rodada de Concessão (57), em 2000, apostou no pré-sal com a perfuração dos poços de Parati (1-RJS-617D) e Tupi (1-RJS-628A) e, com este último, descobriu o primeiro campo supergigante do Brasil e do pré-sal, o campo de Lula. A reação dos EUA à descoberta de uma grande província, anunciada em 2007, após a estatal se certificar da grandeza do pré-sal, foi rápida, com a reativação da 4ª Frota Naval (58) dos EUA, em maio de 2008, posicionada "inclusive" no Atlântico Sul, como ocorrera em 1964. Por pouco não ocorreu o leilão previsto para 2008 (59), no qual a ANP iria ofertar inúmeros blocos na Bacia de Santos (60).
O leilão foi primeiro suspenso judicialmente e depois cancelado definitivamente (61). Assim como a Noruega fez ao perceber com a entrada em produção de Ekofisk em 1971, o primeiro campo descoberto na plataforma continental norueguesa com a criação da participação direta da coroa norueguesa, que inicialmente era de 50%, o governo brasileiro resolveu mudar as regras para resguardar recursos tão estratégicos para o desenvolvimento econômico nacional sustentável. E em 2009, com a submissão do Congresso Nacional ao pacote de leis do novo marco regulatório da indústria de petróleo e gás, nacionalizava-se parcialmente a produção e reservas do Pré-sal com as leis da Partilha de Produção, que em sua forma original determinava a exclusividade da Petrobrás como operadora no polígono do Pré-sal e a Lei da Cessão Onerosa, que capitalizava a estatal para efetuar os investimentos necessários. Um congresso em sintonia com a sociedade aprovou as duas leis, mas não sem a ferrenha resistência do lobby das multinacionais.
Um telegrama confidencial (62) saiu do Consulado dos EUA, na Rua México, Centro do Rio de Janeiro, para a Embaixada, em Brasília, em 2 de dezembro de 2009, dando conta de uma reunião com a presença de representantes dos EUA e das empresas multinacionais de petróleo. Neste, a representante da Chevron e do IBP, Patrícia Pradal, afirmava que o senador José Serra, provável candidato à sucessão presidencial em 2010, não tomava uma posição mais declaradamente favorável às multinacionais e contrária à popular e querida Petrobrás, mas garantia que, caso o PSDB voltasse, todas as mudanças seriam desfeitas. Segundo ela, Serra teria dito textualmente:"Deixe aqueles caras [Partido dos Trabalhadores] fazerem o que quiserem. Não haverá rodadas de leilões, e aí vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava...e o mudaremos de volta” (original em inglês: Let those guys [Worker's Party] do what they want. There will be no bid rounds, and then we will show everyone that the old model worked...And we will change it back."
O telegrama foi vazado em 2010, pelo site Wikileaks. Serra perdeu as eleições para Dilma Roussef, indicada por Lula para ser sua substituta. Entre 2007 e 2013 tivemos o crescimento da economia brasileira e o desenvolvimento sempre prometido parecia ter virado realidade. Mas vieram os protestos de junho de 2013 (63) pelos R$ 0,20 (vinte centavos), que hoje sabemos terem recebido apoio financeiro de instituições de extrema direita que financiaram algumas das lideranças do movimento. Tivemos ainda a visita do vice-presidente dos EUA, John Kerry (64), em agosto, marcada pela polêmica em torno da espionagem dos EUA sobre a Petrobras e o Pré-Sal. Em outubro sobreveio 1º leilão da partilha (65), o leilão do campo gigante ou super-gigante de Libra (66). A operação ficou com a Petrobrás, com seus 40% do óleo lucro, mas a Shell, que antes da estatal tinha detido a área e não tinha aprofundado seus poços até a camada do Pré-sal, pode voltar com uma fatia de 20%. Será que se a situação fosse inversa, se a Shell tivesse descoberto um campo desta magnitude no Mar do Norte ou em qualquer outro ponto do globo, teríamos sido convidados a participar?
Entre a visita de Kerry (64) e o leilão de Libra, uma Dilma (67) ainda confiante fez em setembro de 2013 um discurso frente aos operários do Estaleiro de Inhaúma, onde visitava as obras do casco da P-74, que seria a primeira unidade de produção definitiva de Búzios. A indústria naval brasileira, que já fora a 2ª do mundo em décadas passadas, recuperava seu espaço, aumentando de cerca de 2000 trabalhadores no início dos governos do PT, para 70 mil trabalhadores em 2013.
Em 2014, a presidente que tinha perdido aprovação popular depois que a mídia manipulara os protestos de 2013, se rendeu ao mercado e colocou Aldemir Bendine, atualmente preso por acusação de corrupção, no comando da estatal. E vieram as primeiras vendas de ativos e os PIDVs. O corpo técnico da Petrobrás cuja qualificação é reconhecida no exterior e já gerou três prêmios na Offshore Technology Conference (OTC), sempre havia sido preservado nos ataques que a Companhia havia sofrido anteriormente.
Em 1995, os mais antigos contam que em cada andar do Edise, o Edifício Sede da Petrobrás, havia um comitê de luta e resistência ao desmonte da empresa. Mas com Bendine o que tivemos foi o fim da algema-de-ouro (programa que incentivava a retenção de funcionários experientes com conhecimentos considerados estratégicos, que já tinham tempo para se aposentar, mas que optassem por trabalhar mais alguns anos) e o retorno do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV). Antes disto tínhamos tido PIDV no governo de Itamar Franco (1992/1994), quando FHC foi ministro da Economia. Em 2014, tivemos ainda as demissões maciças dos terceirizados.
No cenário macroeconômico, tivemos ao final daquele ano a queda do barril de petróleo e a valorização do dólar fazendo com que o endividamento da Petrobrás majoritariamente naquela moeda parecesse maior aos olhos da população e inclusive dos funcionários da estatal. O Brasil assistia diariamente no Jornal Nacional da Rede Globo às denúncias da operação Lava-Jato. No pano de fundo do telejornal, tubos e vasos industriais com o símbolo da Petrobrás pareciam corroídos. Era a dose diária de corrosão da imagem da empresa, que prosseguiu até o impeachment. Um bom observador poderá localizar em vídeos deste programa falas em que o assunto era dissociado da Lava-Jato, mas as imagens estavam lá. Os jovens, que desconheciam a realidade sócio-econômica dos anos 90 e meados de 2000 e não assistiram aos vídeos das campanhas publicitárias de "desestatização" pré-venda da Vale, em 1995, quando os conceitos de origem do capital (público vs privado) eram propositadamente confundidos com eficiência administrativa.
Assim, em 2015, tivemos a diminuição do investimento da empresa, que passou a concentrar-se no desenvolvimento dos campos já descobertos, delimitados e comercialmente declarados como tal. Tivemos também um novo PIDV. E o corpo técnico ia perdendo jovens e experientes, jovens pelo desencanto com as perspectivas não tão alvissareiras do Brasil e da Petrobrás, experientes talvez porque estivessem cansados de tanta luta em defesa da empresa e acreditassem que com a descoberta do pré-sal o futuro da Petrobrás estivesse garantido.
Não poderiam estar mais enganados. As pautas-bombas do deputado Eduardo Cunha surtiram efeito e o deputado carioca presidiu a Câmara e teve seus 15 minutos de fama com o impeachment da presidente Dilma Roussef, em 2016. Pouco depois, o deputado foi afastado e preso, mas não sem antes esbravejar que teria cerca de 150 deputados e várias dezenas de senadores. O juiz Sérgio Moro, da Lava-Jato, inocentou a esposa de Cunha, a ex-jornalista da Globo, Cláudia Cruz. E a lista dos homens de Cunha caiu no esquecimento.
Em fevereiro de 2016 o senador José Serra deu entrada ao projeto de lei PL 4567/2016 (68), que alterava a Lei da Partilha, retirando a exclusividade da operação da Petrobras no pré-sal, abrindo as portas da “Picanha Azul” para para a entrada das multinacionais como havia prometido. A justificativa de Serra era "aliviar a estatal de fazer investimentos tão elevados para uma empresa com problemas financeiros". Lembro de ouvir numa rádio FM do Rio de Janeiro naquele mesmo ano de 2015 que "o pré-sal ainda deveria gerar muita riqueza para o Brasil no futuro". Certos jornalistas fizeram o sujo papel de esconder e lançar dúvidas sobre a província do pré-sal, a qual em realidade batia sucessivos recordes de produção e onde a produtividade média dos poços de alguns campos era de cerca de 25 mil b/d. (69) (70) (71)
Com o impeachment e a instalação do vice-presidente Michel Temer, foi fácil aprovar o projeto de Serra.
Mas estavam lançadas as bases de um golpe ainda pior contra a Petrobras, a tentativa de tirar da estatal a Cessão Onerosa. Se a Lei de Serra entrega o futuro, os campos a descobrir, o projeto de Aleluia entrega os campos já descobertos pela estatal. Apenas o Congresso Brasileiro poderá evitar que este crime lesa-pátria se concretize. Ainda há tempo para que em terra de campos gigantes e supergigantes, não tenhamos políticos nanicos, não sejamos uma republiqueta das bananas.
Que os nossos parlamentares reconheçam nas histórias destes dois telegramas, o lado correto para se posicionar, o lado de uma política de petróleo e gás soberana que objetive não o lucro rápido para pagar os rentistas, mas a otimização da geração de riqueza para toda a sociedade. Façamos como a Noruega que ganha várias vezes com a participação direta do estado em licenças de produção de campos de petróleo e gás, com altos impostos e com sua estatal de petróleo e gás.
Fonte: AEPET