NOTÍCIAS
Uma das principais mudanças da pandemia no mundo do trabalho foi a adoção compulsória do chamado teletrabalho, tanto por empresas quanto por profissionais liberais. Mudança que, segundo os últimos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pnad Covid 19, divulgados em novembro de 2020, mostravam que o Brasil totalizava cerca de 8 milhões de pessoas em trabalho remoto no mês de setembro. Mas como essa mudança vem atingindo os trabalhadores? A questão é abordada, nesta entrevista, pelo procurador Luciano Leivas, vice coordenador nacional da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho (Codemat/MPT).
Como o Ministério Público do Trabalho vem acompanhando
essa mudança?
Luciano Leivas - A emergência sanitária decorrente da
pandemia, sem sombras de dúvida, acelerou sobremaneira o
processo de prestação do trabalho fora do estabelecimento da
empresa mediante meios telemáticos, porquanto as restrições
de convívio social, tais como quarentena, isolamento social e
distanciamento, tornaram-se um imperativo de contingenciamento
da transmissão da doença Covid-19 no âmbito da relação de
trabalho tradicional/presencial.
O grande problema é que os sujeitos da relação de trabalho, patrões e empregados, em sua grande maioria, foram impelidos para o teletrabalho sem um período de adaptação ou transição adequados. Os desafios civilizatórios e de humanização do teletrabalho foram precipitados pelos fatos.
Nesse contexto, as preocupações institucionais do Ministério Público do Trabalho se fixam, entre outros aspectos, na questão da distribuição dos custos da prestação de serviço na modalidade de teletrabalho frente ao princípio constitucional da irredutibilidade do salário e princípio da intangibilidade salarial, na questão da duração do trabalho (jornada, carga semanal e intervalos) e no direito à desconexão e nas questões de saúde e segurança do trabalho (saúde mental e questão da ergonomia).
Quais as principais preocupações do MPT?
Luciano Leivas - A migração, por assim dizer, do modelo
tradicional de prestação presencial do trabalho para um modelo
de trabalho fora do estabelecimento do empregador (teletrabalho
ou home office) deve ser refletido dentro de uma transformação
político-jurídica iniciada em 2017, notadamente a chamada
reforma trabalhista implementada no Governo Temer.
Essa reforma trabalhista, pressionada e acelerada por pauta econômica, primou pela desregulamentação do Direito do Trabalho mitigando o princípio da proteção do hipossuficiente e privilegiando os princípios da liberdade individual para contratação do trabalho em flagrante desvirtuamento do valor social do trabalho. A ótica reformista das alterações legislativas de 2017, com projeções até a presente data, tratou a relação assimétrica capital e trabalho como se as partes do contrato, empregador e empregado, dispusessem do mesmo poder de contratação e execução do contrato de trabalho. Em um país que já conta com mais de quatorze milhões de desempregados e na iminência de um contingente ainda maior de trabalhadores em situação de desemprego (vide a fuga dos capitais interacionais como o caso Ford), não é esperado que o contrato individual de trabalho venha a transferir os custos de tecnologia (implementação e manutenção), imprescindíveis para prestação do serviço, para o teletrabalhador, frente à previsão do artigo 75-D da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho].
Qual a orientação para que o teletrabalho não se transforme
em mais um fator de descumprimento de direitos e
adoecimento?
Luciano Leivas - As orientações estão organizadas e
articuladas em dezessete recomendações, destacando-se,
entre outras: o respeito a ética digital no relacionamento com
trabalhadores e trabalhadoras; a formalização contratual do
regime de teletrabalho, conforme prescreve a CLT; a observância
das vicissitudes ergonômicas do trabalho; a necessidade de apoio
tecnológico a cargo do empregador; adoção de etiqueta digital
e orientação da equipe de trabalho sobre o comportamento na
modalidade de trabalho remoto; respeito ao direito de imagem e à
privacidade do trabalhador; a necessidade de controle da duração
do trabalho (jornada, carga semanal, intervalos) e direito de
desconexão.