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Na segunda parte da série Pensando
o Movimento Sindical, baseada na entrevista do ABCP Informativo com o educador
popular e formador sindical Emílio Gennari, retomamos a conversa que começamos
na edição do mês passado em que, para entendermos a importância atual do
sindicalismo e quais mudanças nos trouxeram até a presente situação, falamos um
pouco sobre a Reestruturação Produtiva. Prosseguindo com a conversa, Gennari
nos diz que o individualismo e a meritocracia se tornam a tônica das relações
de trabalho nos tempos atuais. Para o trabalhador que quer cada vez mais se
destacar em busca de ganhos individuais, lutar é correr o risco de perder o que
já se conseguiu. “Não me interessa mais o direito, aquilo que é coletivo. Me
interessa aquilo que me convém como indivíduo”. O nós passa a ser substituído
pelo eu, e nesse mundo o sindicato supostamente não tem lugar.
Tudo depende do esforço de uma pessoa, que parece dar conta de tudo, e aí ter uma causa comum simplesmente não tem mais sentido. O sindicato é justamente esse construir de uma causa comum. O trabalhador procurará o sindicato sim, mas só quando a situação é desesperadora e ele vai cobrar o resultado sem se envolver. Isso veio das políticas gerenciais. Teve um efeito no sentido de fazer recuar a luta dos trabalhadores.
E a isso tudo, Emílio acrescenta um terceiro ponto: 1985 é um ano histórico de lutas, mas também um momento em que a categoria patronal varre dos locais de trabalho os melhores quadros do movimento sindical, o que desenvolve uma concepção de movimento sindical que organiza as lutas de fora do local de trabalho. A partir disso, ser combativo se torna ser resolutivo, resolver problemas. Do lado dos trabalhadores, surge o pensamento de que se o sindicato resolve seus problemas, não há motivo para ele se envolver com essas lutas. Eu levo meu problema para a direção do sindicato e ela que resolva. O espelho mais escancarado disso, segundo ele, é olhar os materiais de campanha de praticamente todas as chapas de qualquer eleição sindical pelo Brasil, que apresentam as suas diretorias prometendo mundos e fundos.
Estabeleceu-se uma relação em que o papel da base é votar na chapa, o que está nas reivindicações das campanhas salariais tá nas promessas de campanha. “Bom, Se o papel da base é esse, eu votei, eu te elegi, você que se colocou como He-man ou Mulher Maravilha pra resolver meu problema. Quando não só não resolve, mas eu vejo as derrotas que a categoria sofre, eu me sinto enganado, eu vou fazer o quê? Vou me desfiliar”, provoca Gennari. O IBGE mostrou há algumas semanas a queda na porcentagem de filiados nos sindicatos. Isso tem a ver com os aposentados que não são repostos, mas também com este processo.
O movimento sindical tenta se organizar no local de trabalho mas isso ocorre de fora pra dentro e isso nunca dá certo. Se você não está lado a lado, não vê o que está acontecendo, não sente os problemas que acontecem, não vê as reações das pessoas na hora que os problemas acontecem, você acaba não tendo mediações reais para se colocar ao lado dos trabalhadores. Mesmo com a melhor política de comunicação do sindicato, com os melhores jornalistas, isso vai chegar sempre atrasado, geralmente a empresa chega antes com sua versão dos fatos, e a versão que fica, que predomina entre os trabalhadores, é a versão que a empresa dá. Ensinar os trabalhadores a se defenderem é uma coisa que a gente só faz quando estamos juntos, e o estar juntos é justamente o que é sindicato, movimento sindical.
Temos hoje trabalhadores que nunca participaram de luta nenhuma, cuja primeira experiência de movimento é a direção sindical para a qual foram eleitos. Como esperar que essas pessoas saibam se defender, saibam o que fazer? Chamamos atenção aqui para a reflexão do formador sindical, que nos diz que as lideranças forjadas na luta real, no local de trabalho, e que chamam seus colegas para a luta coletiva ao invés de tentar se vender para eles como heróis salvadores, têm uma grande importância para a reorganização das nossas lutas rumo à vitória. Um movimento sindical cujas lideranças não têm experiências reais prévias de luta representam, no entendimento dele, um sintoma de um desaprender a resistir. Hoje se queixa do assédio moral, judicializa-se os conflitos trabalhistas, mas assédio moral, pressão, chefe sacana, isso sempre tivemos, mas a gente precisa saber resistir com isso fazer o chefe saber a força do trabalhador, saber que pode resistir de diversas formas, experimentar atos de rebeldia e revolta, provocar o medo na empresa. E com isso, Gennari está falando da luta organizada, mas também das formas mais diversas de resistências cotidianas, a exemplo de trabalhador que aborda o chefe no estacionamento e diz “se você tira o pão da boca do meu filho, eu sei onde te achar”. Isso pode parecer inadequado para alguns, mas esse trabalhador agora sabe que pode enfrentar as opressões patronais e esse chefe agora sabe que seus funcionários podem resistir.
O foco do movimento sindical ficou inteiro no trabalho de agitação e na denúncia, seja nas falas ou nos materiais, temos só profecias de desgraças. O trabalhador passa a negar que o pior lhe venha a acontecer, se apegando a soluções individuais e, em um cenário pior ainda, passa a achar que já o pior acontecerá, é melhor ficar quietinho pra não ser notado pela empresa. Às vezes a agitação gera efeitos opostos àqueles que a gente quer realizar. Enchemos nossos boletins de denúncias, e sim, isso é necessário, precisamos ajudar a categoria a entender os perigos graves que nos ameaçam, mas também precisamos apontar respostas para essas situações que estamos denunciando. Quando a denúncia não é acompanhada por uma ação, por um planejamento de ação, é preciso tomar cuidado, porque pode dar a entender que não temos como resolver aquela situação. A empresa precisa ver que houve um descontentamento nos trabalhadores que se tornou prejudicial para ela, mas a empresa vai sempre resolver isso no seu tempo e fazer parecer que foi ela quem deu, e não os trabalhadores que conquistaram. Então saber reivindicar as vitórias e mostrar que, na verdade, a direção da empresa está respondendo às pressões da classe em luta é fundamental.
Outra coisa que fortalece essa sequência de erros do movimento sindical nas últimas décadas, segundo Gennari, é “a relação com os terceirizados, que representam 22% dos trabalhadores com carteira assinada, dados do levantamento do DIEESE de 2017 (não temos os dados mais recentes), isso não deve ser desprezado. Um trabalhador com o qual eu deveria me solidarizar, criar corpo com ele porque ele trabalha comigo, mas quando eu vejo ele na sala do café, digo ‘cai fora, esse é o NOSSO café, é o café da nossa empresa’. Se nessas coisas banais não há solidariedade, como é que eu vou construir um patamar de luta. Vamos somar derrotas a derrotas”. Os terceirizados enfrentam muito mais problemas do que a gente, e ainda assim nos mostramos incapazes de solidariedade. Aqui ele está chamando atenção para a necessidade de uma mudança de consciência na nossa categoria, buscando fortalecer laços de solidariedade não apenas táticos mas também estratégicos com os profissionais das diversas empresas terceirizadas que trabalham conosco.
A tendência nas categorias, cada vez mais, é de desejar não mais o sindicato por categoria, mas por local de trabalho. “Se o prédio tiver 15 andares, é um sindicato por andar”, brinca Emílio, e aponta que isso tem a ver com aquela ideia de uma direção sindical que é o He-man, a Mulher Maravilha, que me protege de tudo, então quanto mais perto de mim estiver, para salvar a minha pele, melhor ainda. Então a Reestruturação Produtiva, com o avanço das políticas de recursos humanos, somada às mudanças no movimento sindical causadas com aquele marco de 1985 e além disso tudo os erros que nós cometemos nas últimas décadas enquanto movimento sindical nos levaram a essa situação que precisamos enfrentar hoje.
Quando perguntado sobre o que foi esse marco do ano de 1985 para o movimento sindical, Emílio começou a sua resposta indicando que foi o ano de muitas greves, que marcaram a história tanto pela forma de luta que foi usada quanto pelos seus desfechos. O primeiro exemplo citado por ele é o da greve das montadoras do ABC, que “fazem aquela greve chamada de “Vaca Brava”, mantenho funcionando os setores da empresa, mas paro algum setor essencial, que trava todo o processo produtivo”. Uma coisa é um carro sem pneu estepe, que pode ser adicionado aos carros dos clientes depois, outra coisa é um carro sem pistão. Não há o que fazer. A “Vaca Brava” contou com 100 mil grevistas, conquistou a redução da jornada de trabalho, e na luta! E teve também cerca de 3500 demitidos por justa causa. Isso se repetiu em diversas outras greves no Brasil naquele ano, e continuaremos esta conversa no nosso próximo ABCP Informativo.
Diga para a gente o que está achando destas conversas com o camarada Emílio Gennari e quais estratégias podemos traçar para o fortalecimento do movimento sindical e de nossas conquistas. Você, que está lendo este jornal, é parte importante das nossas lutas e pode trazer cada vez mais força para nossas ações. Com você, tudo pode ser diferente, e nenhuma liderança sindical pode lutar por você, apenas com você! A sua opinião é importante, e queremos você com a gente neste papo. Conte para a gente a sua opinião! E sigamos na luta!!!