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“Querem tirar o pouco de conquista social que ainda temos e fazer o nosso país retroceder a uma situação anterior a legislação trabalhista de 1930
02/08/2019
Qual é a essência da reforma da previdência?
A propaganda repetida já há muitos anos na televisão é a de que a que é necessário corrigir privilégios. De fato existem privilégios e existem distorções nos sistemas de previdência, mas eles são imensamente menores se comparados à relevância do papel social que a previdência cumpre. A previdência, na verdade, já cumpriu um papel de muito mais abrangência no Brasil. O teto dos benefícios, por exemplo, já chegou à casa dos 20 salários mínimos. Hoje o teto previdenciário no regime geral de previdência não chega a 6 salários mínimos. E a previdência nunca deixou de pagar nenhuma aposentadoria ou uma pensão fora da data. Então, toda essa propaganda repetida como um mantra, em torno da ideia de que a previdência está quebrada é insustentável. Tem, na verdade, um profundo viés ideológico. De um lado, no sentido de desconstruir a ideia de um estado social de direitos, que garanta principalmente assistência às pessoas mais pobres.
Mas há também um segundo aspecto, que é econômico. A previdência e seu regime geral equivalem a 25% do orçamento do Brasil hoje. É esse valor que algumas instituições financeiras querem tomar conta. E quando eu digo instituições financeiras falo dos bancos. No final das contas, trata-se de tirar a administração destes recursos do Estado para que ele possa ir para o setor privado, para os bancos. Se essa reforma for aprovada, lamentavelmente teremos a continuidade do desmantelamento da previdência que começou de maneira mais forte em 1998, no governo de Fernando Henrique com a Emenda Constitucional nº 20, passando pelo governo do Lula com as emendas 41 e 47, pelos governos da Dilma e do Temer. E que terá agora o seu corolário no governo Bolsonaro, se essas propostas forem aprovadas, porque são de uma perversidade brutal. Significa exigir de um trabalhador 40 anos de contribuição para que ele tenha direito a um cálculo da média do seu benefício em 100%. Significa reduzir para 60% o valor médio das aposentadorias.
Ou seja, a reforma vai fazer com que a previdência social pública, o regime geral de previdência e também os dos servidores, com essas modificações, cumpram um papel cada vez mais diminuído na sociedade, pagando valores pequenos e pouco expressivos, de até 2 salários aproximadamente. E retirando da previdência pública os recursos daqueles trabalhadores que poderiam receber mais, para entregar ao mercado financeiro, à poupança privada e outras formas de acumulação capitalista.
Esse é o debate de fundo que está colocado, a desconstrução desse sistema social, desse pilar da seguridade social que é a previdência. Isso começou a ocorrer logo depois da promulgação da Constituição de 1988. E, lamentavelmente foi uma marca de todos os governos, que foram deixando de ver a previdência como um investimento social, que garante estabilidade e dignidade para as pessoas, e passaram a vê-la como uma possibilidade de negócios.
Então a reforma que está sendo proposta pelo Bolsonaro e pelo Paulo Guedes consolida esta visão, enfraquecendo muito a previdência pública e abrindo caminho para que ela seja controlada pelos bancos.
Como o sistema previdenciário se relaciona a um projeto de país?
Esta é a sétima reforma da previdência desde a Constituição de 1988. Num espaço tão curto de tempo, a previdência foi e está sendo modificada. O sentido geral desse movimento é, na verdade, desconstruir o pacto formulado em torno da seguridade social na constituição de 1988. O Brasil foi um dos últimos grandes países capitalistas a incorporar – no nosso caso, na Constituição – aquilo que outros países, em particular os países que alcançaram um estado de bem estar social, alcançaram ainda em meados do século XX. Por aqui, somente em 1988 nossa Constituição veio instituir um modelo de seguridade social abrangendo a saúde, assistência social e a previdência.
Isto é, a previdência é apenas uma parte deste pacote, a Seguridade Social, e cumpre um papel importantíssimo para o Brasil. Não é apenas um programa de aposentadoria e de pensão, mas sim, de uma série de outros benefícios e auxílios que socorrem a população em situação de infortúnio, vulnerabilidade e pobreza. Ou seja, a previdência é um programa social muito amplo.
Para além de determinados benefícios e determinados direitos, nossa previdência compre um papel civilizatório. Por isso, quando se fala em modificar a previdência, é necessário termos uma atenção muito grande sobre o que está se falando. Outro aspecto fundamental a ser levado em conta, é que boa parte dos municípios do Brasil são incapazes de produzir renda própria. Não possuem economia própria capaz de alavancar e gerar riqueza. Nesses lugares é a previdência social a grande responsável pela circulação de recursos financeiros. Circula mais dinheiro proveniente da previdência social do que dos repasses constitucionais – tributos e fundos – para os municípios.
Então, a previdência também é um fator de desenvolvimento do país e de distribuição de renda. Ela faz com que aquele pequeno comerciante, o pequeno empreendedor ou trabalhador rural, que vivem no interior mais distante do Brasil, possam sobreviver. Ajuda, por exemplo, a evitar o êxodo desenfreado para as regiões urbanas, que foi uma característica muito presente no Brasil no século XX. Uma situação gravíssima que apenas pôde ser estancada com a Constituição de 88, que reconheceu a aposentadoria dos trabalhadores rurais.
Em que medida a reforma trabalhista se relaciona com a reforma da previdência?
Nós estamos vivendo uma degradação geral, um ataque brutal a uma série de direitos sociais. Inclui-se, nesse bojo, os direitos trabalhistas com a reforma que foi feita mais recentemente pelo governo Temer e que modifica as bases do Direito Trabalhista no Brasil, acabando com seu papel protetor, acabando com direitos que os trabalhadores alcançaram há décadas. Inclui também a ampliação, praticamente sem limites, da terceirização, com as novas formas de contratação temporárias, parciais, enfim, um enorme aumento da precarização das condições de trabalho, como nós nunca vimos antes.
Isso faz com que uma grande parte dos trabalhadores esteja na informalidade e, ao serem informais, não tenham condições de contribuir com a previdência. Então, a formalização do trabalhador no mercado de trabalho, que tem uma carteira de trabalho assinada, que é concursado, eram condições que ajudavam a dar estabilidade e vigor para previdência. Nós estamos vivendo uma crise na previdência, em primeiro lugar, devido à crise econômica que vem afetando principalmente os assalariados, as camadas mais pobres da população.
Ainda sim, a situação da previdência social no Brasil, de seu regime geral e dos regimes dos servidores, é ainda uma situação muito boa. Mudanças na previdência não acontecem de um dia para o outro. É possível e necessário fazer estudos atuariais, é possível prevenir situações e atuar para que tenham longevidade os fundos previdenciários.
Mas, a reforma trabalhista, em particular, articulada com outras reformas do Estado, ao enfraquecem as condições da população, em geral, acabam enfraquecendo a previdência. Afetando principalmente o regime geral de previdência, para quem tem carteira assinada, e os regimes próprios dos servidores.
Como é que ficam os fundos de pensão?
Os fundos de pensão foram construídos, principalmente nas empresas estatais, ao longo de muitas décadas, como uma poupança feita pelos trabalhadores e pela contribuição patronal. Esses fundos assumem hoje uma importância econômica decisiva no Brasil, sendo responsáveis atualmente por cerca de 17% do Produto Interno Bruto do país (PIB).
Se essa reforma for aprovada nas condições em que está sendo proposta irá permitir, por exemplo, que os fundos que forem criados para administrar a previdência de servidores públicos, ao invés de correr a uma Petros ou Previ, como instituidoras, para poder organizar a sua previdência, esses fundos poderão ser administrados pelos bancos, mediante licitação. Então, não é um mercado pequeno que está se abrindo para os bancos. Estamos tratando aqui de algo que hoje representa de 900 a 950 bilhões de patrimônio, só dos fundos de pensão. Um valor que pode ser bem ou mal utilizado.
O atual ministro da economia tem uma visão liberal da economia. Paulo Guedes foi um dos responsáveis por destruir a previdência pública no Chile, entregando os fundos previdenciários públicos aos fundo de pensão privados, inclusive fundos de pensão norte-americanos, e que atualmente dominam a previdência naquele país.
Passada essa reforma da previdência, seja ela aprovada ou não, teremos um grande embate na defesa dos fundos de pensão.
Atualmente, nós temos conquistas importantes, como a escolha de representantes dos trabalhadores, que contribuem para a administração dos fundos, sendo parte da composição dos conselhos desses fundos. Mas isto está sendo atacado diretamente. Houve uma primeira iniciativa através de um projeto do senador Aécio Neves, do PSDB, que propunha o que eles chamam de uma administração profissional dos fundos. Na prática isto seria retirar a possibilidade dos trabalhadores elegerem seus representantes.
No Estatuto das Estatais mais recentemente aprovado, foram criadas várias restrições para o exercício dessa atividade de representação. Além dos ataques diretos, há a toda uma campanha que é feita em torno de que a Petros, Postalis, Funcef, Previ etc. seriam antros de corrupção, em que o dinheiro dos trabalhadores está sendo desviado. Tudo isso tem um objetivo muito claro. E atacar essa conquista democrática, da gestão compartilhada entre trabalhadores e as patrocinadoras. Essas “reformas” que estão ocorrendo no Brasil se articulam, sem dúvida, com um projeto maior, na medida em que os governos enfraquecem a previdência, precarizam as condições de trabalho e fazem com que o individualismo se sobreponha a ideia da coletividade, do mutualismo, que foi o que animou a previdência no seu início. É uma campanha muito bem feita e muito bem articulada, no sentido de difamar a previdência pública e os fundos de pensão, de maneira a fazer com que o trabalhador sinta-se mais seguro se a sua providência for administrada por um ente privado, que no caso é um banco.
Como você ê a correlação de forças nessa disputa desigual entre capital e trabalho?
Esse é um processo de ataques que não ocorre apenas no Brasil, é um processo internacional. Os ataques aos direitos sociais vêm acompanhados também de ataques às organizações de representação dos trabalhadores. As ideias do individualismo, de empreendedorismo, implementadas em contraponto a ideia da solidariedade, da cooperação e de tudo aquilo que o sindicato representa é muito forte, e procura constituir-se como algo natural, quando, na verdade são a consequência da crise econômica.
O Brasil vive hoje, de maneira tardia, reflexos muito duros da crise econômica que se instaurou a partir de 2007-2008, atingindo inicialmente os Estados Unidos. Mas, depois a crise avançou para praticamente todo o planeta, atingindo a China, Europa, as grandes economias. A partir de 2012-2013 o Brasil começou a sentir os reflexos dessa crise e não conseguiu sair dela até agora. E dificilmente sairá com a política econômica que vem sendo aplicado, porque os agentes econômicos estão agindo conscientemente, os poderes da República, a presidência, o Congresso Nacional, na verdade, fomentam uma política de terra arrasada. Não se utiliza nenhum instrumento de intervenção econômica do Estado para minimizar essa situação. Nós temos obras paradas em todo o Brasil e, com praticamente cinco anos de estagnação econômica, no Brasil, não há nenhuma iniciativa para serem retomadas. E por que isto não é feito? Por que os governantes enlouqueceram? Eles não tem preocupação social?
Não, é algo consciente! O papel que está relegado ao Brasil na divisão internacional do trabalho é um papel subalterno. Não se cogita que o Brasil possa vir a cumprir um papel de uma potência econômica. Apesar de toda a riqueza que possuí, o Brasil está escalado para ser um exportador de commodities e, de maneira consciente, está abrindo mão do que nós temos de tecnologia mas avançada.
Tivemos recentemente, por exemplo, a desnacionalização da Embraer. Uma empresa que já havia sido privatizada anteriormente e estava na mão do capital privado nacional, e agora foi desnacionalizada. Seu controle foi assumido pela Boeing, que é estrangeira. A Petrobras, que é uma empresa rara em todo mundo, com a sua capacidade tecnológica, com tudo que ela produziu nos anos recentes, está sofrendo um fortíssimo ataque, visando sua futura entrega. E não apenas de suas reservas de petróleo, mas também de seus equipamentos, de tudo aquilo que foi construído ao longo dos anos, com uma tecnologia formidável.
Cacau, que representa no contexto de desmonte da Petros a implementação do PP3?
O PP3 é tudo que a Petrobras quer para se livrar de um plano mutualista, solidário, que garante um benefício definido ao trabalhador(a) que se aposenta e no qual a Petrobras concorre com o risco existente de desequilíbrio financeiro deste plano.
A ideia é trocar isso para outra modalidade, um plano de contribuição definida no qual a Petrobras não tem nenhuma responsabilidade com seu equilíbrio ou desequilíbrio. Isto é, na hipótese da reserva financeira arrecadada para cada trabalhador ser insuficiente para sua sobrevivência, para que alcance todo o período de sobrevida que ele tem quando aposentado ou do pensionista, a Petrobras não teria nenhuma responsabilidade.
Esta é a essência do PP3, é desconstruir uma previdência complementar que teve um papel expressivo na Petrobras. O modelo de aposentadoria que foi um elemento de atração de talentos, de muitas pessoas que vieram para a Petrobras, e não para outras empresas, graças a esse diferencial: a garantia de uma aposentadoria digna ao longo da vida.
O PP3 ameaça transformar essa conquista em uma conta individual, uma poupança. Isso é o que estão chamando de regime de capitalização. Nos mesmos moldes daquilo que o governo federal quer implementar para todos os trabalhadores e trabalhadoras. Então o PP3 é o desmonte da Petros, é acabar com o sentido de solidariedade, de mutualismo, a contribuição coletiva para garantir o futuro de todos e todas nós. E por isso que o PP3 não deve e nem pode ser aceito.
Se ele for aprovado, mais do que destruir as bases da fundação Petros, ele irá destruir a contribuição coletiva feita pelo trabalhador que construiu a pujança desta empresa. Para um plano individualista, em que as pessoas contribuem apenas para a sua própria aposentadoria, podendo perder outros direitos previdenciários. E não tenhamos dúvidas, isso é feito para que no futuro a patrocinadora se retire e deixe de contribuir.
Todas as conquistas importantes que tivemos recentemente no Brasil foram resultado de muita luta mobilização social e em períodos de muita dificuldade. A constituição brasileira teve que agasalhar uma série de direitos sociais que foram frutos de lutas do período de redemocratização do país um período forjado nas lutas contra a ditadura militar, no renascimento do sindicalismo, do movimento estudantil, na luta das maiorias sociais de nosso país. É esse caminho que nós precisamos retomar, é ter essa consciência nós não teremos nenhum direito social, nem conquista social que venha de graça. Afinal nós vivemos em uma sociedade que está dividida em classes, os interesses dessas classes são antagônicos, o que nós estamos assistindo nesse momento é um revanche das classes ricas que querem tirar o pouco de conquista social que nós ainda temos e fazer o nosso país retroceder a uma situação anterior a legislação trabalhista o que é algo absolutamente incompreensível e absurdo no momento atual. O grande tema que está colocado é criarmos condições e termos capacidade de fazer com que os nossos sindicatos associações representações classista tenham capacidade de se juntar, que nós tenhamos capacidade de dialogar para além de nossas categorias profissionais porque na verdade todos os assalariados estão ameaçados nesse momento. É um projeto de estado, projeto de nação ponto final as últimas reformas constitucionais que reduziram a capacidade de intervenção do estado, a PEC dos gastos públicos que congela por 20 anos investimentos sociais com saúde, educação, tudo o que ocorreu no último período aponta no sentido de desconstrução deste frágil estado social de direitos o que a constituição de 88 de alguma maneira começou a construir Esse é um projeto de futuro que já estamos atingindo mas irá atingir também os nossos filhos e nossos netos a saída para os nossos problemas é repetirmos aquilo que fomos capaz de fazer no período da redemocratização que é de tomar as ruas, de mobilizar ter os sindicatos como agentes de mudança importantes tem capacidade de fomentar a unidade entre as diversas categorias.