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AEPET responde ponto a ponto discurso de posse de Castello Branco, novo presidente da Petrobrás
26/03/2019
A Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), por meio de seu diretor Ricardo Maranhão, enviou carta ao presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, questionando afirmações feitas em seu discurso de posse e em diversas entrevistas e declarações públicas.
Recebida e protocolada pela Petrobrás com
data de 11 de março de 2019, a correspondência da AEPET oferece ao executivo da
estatal um ponto de vista alternativo, relacionado a questões sensíveis como
soberania, desenvolvimento, tecnologia e promoção social. Tais ideais
costumam contrastar com o receituário neoliberal de Castello Branco, baseado em
premissas como desregulamentação, estado mínimo e oposição aos monopólios públicos,
omitindo-se quanto ao risco de monopólios privados, sobretudo
estrangeiros.
Clique aqui para ver o
documento protocolado
Leia a seguir a íntegra da carta da AEPET
Rio de Janeiro, 11 de março de 2019.
Senhor Presidente,
A Associação dos Engenheiros da PETROBRÁS - AEPET, entidade com 57 anos, é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, sede no Rio de Janeiro e núcleos / delegacias em Macaé - RJ, Salvador - BA, Mossoró – RN, Aracajú – SE, Angra dos Reis – RJ, Vitória – ES, Porto Alegre – RS, São Paulo – SP e Santos – SP, reunindo cerca de 5500 profissionais das diferentes categorias universitárias do SISTEMA PETROBRÁS, tem como objetivos estatutários, a defesa da PETROBRÁS, de seu CORPO TÉCNICO e da SOBERANIA NACIONAL.
Em seu discurso de posse e em diversas entrevistas e declarações públicas V.Sa. fez afirmações que merecem comentários de nossa entidade.
Seguem as colocações do presidente e nossas reflexões sobre diferentes assuntos abordados por V.Sa.
“OS GASTOS PÚBLICOS SE TORNARAM ABUNDANTES. O CRESCIMENTO ECONÔMICO FOI SUBSTITUÍDO PELO REDISTRIBUTIVISMO PERVERSO”.
Os gastos públicos não são, necessariamente, nocivos, prejudiciais.
Podem ser úteis, positivos, estimulando o desenvolvimento, desde que canalizados para projetos com adequado retorno, criando empregos, renda, melhorando a infraestrutura, estimulando a demanda.
É estranho e empedernido o seu ataque a um
“distributivismo perverso”, sobretudo em um país cruelmente desigual como o
Brasil, com concentração de renda sem paralelo no mundo. Esta desigualdade,
perversa, imoral – ensinam os tratados de economia – é entrave para o
desenvolvimento. Geradora de tensões, de conflitos sociais, de violência. Na
verdade, em passado recente, algumas políticas não configuraram
“redistributivismo perverso”, mas tentativas, ainda que parcialmente bem
sucedidas, de atenuar as injustiças que, de longa data, marcam a sociedade
brasileira.
“ATRAVÉS DE PRIVILÉGIOS E MONOPÓLIOS SE TRANSFERIU RENDA DO POVO BRASILEIRO PARA PEQUENOS GRUPOS DE INTERESSE. PRIVILÉGIOS E MONOPÓLIOS SÃO INADMISSÍVEIS NUMA SOCIEDADE LIVRE”.
Afirmação parcialmente verdadeira. Registre-se aqui a presença de oligopólios em diferentes segmentos de nossa economia, como na mídia, na indústria, no setor bancário / financeiro, nos serviços. A transferência de renda se faz, também, através do SISTEMA TRIBUTÁRIO perverso, que favorece o capital em detrimento do trabalho, da política de imunidades, isenções, subsídios, favores fiscais, do crédito favorecido para alguns grupos. Da carga tributária concentrada nos tributos indiretos, sobre o consumo. No tratamento favorecido do patrimônio e da renda em relação ao trabalho.
Quanto aos monopólios, tão criticados por V.Sa. é necessário distingui-los, diferenciá-los. Há monopólios e monopólios.
Os privados são, realmente, incompatíveis com a democracia. Conduzem aos abusos do PODER ECONÔMICO. Reduzem a produção, elevam os preços, pretendem escravizar os consumidores, a sociedade. Os USA têm duas leis (SHERMAN e CLAYTON), do início do século passado, para combatê-los. O Brasil, somente na década de 60, apercebeu-se da necessidade de combatê-los, com a criação do CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
O MONOPÓLIO DO PETRÓLEO, DA UNIÃO E NÃO DA PETROBRÁS, teve gênese democrática, na campanha do PETRÓLEO É NOSSO. Cinco anos de debates nas ruas, mais de 20 meses de discussões no Congresso Nacional, resultando na Lei 2004/53. Reafirmado na Emenda Constitucional nº 01 de 1969, no artigo 169 e no artigo 177 da Constituição de 05.10.1988.
“O MONOPOLISTA É PODEROSO E VISÍVEL, O QUE ACABA CONVIDANDO INTERVENÇÕES DO ESTADO NA ECONOMIA.
QUANTO MAIOR SUA INTROMISSÃO NA ECONOMIA, MAIS RESTRITA É A LIBERDADE, MENOR É O CRESCIMENTO ECONÔMICO. É A CONSTRUÇÃO DE UMA FÁBRICA DE POBRES”.
A intervenção do Estado na economia, em diferentes circunstâncias, é necessária, legítima e – a história demonstra – muitas vezes, pleiteada, desejada, até mesmo pelos ardorosos defensores da livre iniciativa. Vossa Senhoria certamente recorda a reestatização, pelo governo dos USA, das Agências de Crédito Imobiliário, para evitar o colapso, na crise 2007/2008.
Não conhecemos nação no mundo que tenha chegado ao desenvolvimento pleno sem alguma forma de participação do Estado no processo de superação do atraso.
A CHINA, que assombra o mundo com seu espantoso crescimento, é o exemplo mais recente.
É fato incontestável que o livre mercado, a ausência total de regulamentações, o “laissez faire” – anacrônico e superado – são incapazes de produzir resultados econômicos e sociais relevantes. Alguém, muito propriamente registrou, que “ENTRE O FORTE E O FRACO A LIBERDADE ESCRAVIZA E A LEI LIBERTA”.
Referindo-se aos repugnantes acontecimentos que VITIMARAM a PETROBRÁS, uma combinação de empresários corruptos e cartelizados, políticos desonestos e alguns empregados delinqüentes, V.Sa. fala em “CRISE MORAL” e “CRISE DA DÍVIDA”.
A “CRISE DA DÍVIDA” foi apregoada e ampliada pela mídia oligopolizada, que patrocina interesses bem identificados, com o objetivo de justificar a venda de ativos da Companhia, estratégicos, rentáveis e livres de quaisquer ônus, em processos que causam indiscutíveis prejuízos à PETROBRÁS, seus acionistas e ao país. Alguns chegaram a classificá-la como “impagável”, afirmando, leviana e irresponsavelmente, que a PETROBRÁS estava “quebrada”, “falida” e que só não entrou em recuperação judicial por ser estatal. Uma mistificação grosseira! No período 2009/2016, com exceção do ano de 2012, a PETROBRÁS sempre apresentou saldo de caixa superior a 15 bilhões de dólares! Lançou no mercado títulos com vencimento em até 100 anos.
Vossa Senhoria registra seus agradecimentos aos antecessores, PEDRO PARENTE e IVAN MONTEIRO, que teriam, em seu entendimento, RECONSTRUÍDO, a PETROBRÁS. Os que por aqui passaram rapidamente, já se foram e os que agora retornam, deveriam se comportar com mais humildade. Empresa portentosa, de dimensões mundiais, entre as 10 maiores do mundo, como a PETROBRÁS, não são construídas e, muito menos, reconstruídas, em poucos meses.
Ademais medidas e atos praticados por aqueles senhores têm validade e eficácia discutíveis. Por exemplo, o acordo bilionário com acionistas (ou fundos abutres de especuladores) norte-americanos. Também a venda de ativos como a malha de dutos da NTS, as “parcerias estratégicas” e a política de preços que provocou protestos generalizados, culminando com a greve dos caminhoneiros. Greve justa, com amplo apoio popular, mas que causou enormes prejuízos ao país.
Também “impairments”, de dezenas de bilhões de reais, transformando grandes lucros operacionais em enormes prejuízos contábeis.
As reservas provadas da Companhia (óleo, condensado e gás natural) sofreram redução de 2017 para 2018. Aliás, desde 2014 a PETROBRÁS perdeu um quarto de suas reservas. Este declínio é conseqüência, sobretudo, da venda de campos em produção e das “parcerias estratégicas”.
“UMA NOVA ERA SE INICIA. PARAFRASEANDO O PRESIDENTE RONALD REAGAN É UM NOVO AMANHECER NO BRASIL E NA PETROBRÁS. É HORA DE PROMOVER MUDANÇA TRANSFORMACIONAL PARA BENEFÍCIO DOS ACIONISTAS”.
Os acionistas são dezenas de milhares. Seus direitos são relevantes e devem ser considerados. Não obstante, seria agradável ouvir, também, a preocupação do presidente, com os direitos dos trabalhadores, com a defesa, pela Companhia, da
indústria e da engenharia brasileiras, política de preços transparente e justa com os consumidores. A política de preços causou enormes perdas de mercado à PETROBRÁS, grande ociosidade nas refinarias, importações desnecessárias de volumosas quantidades de gasolina e diesel, impactos negativos sobre o balanço de pagamentos e sacrifícios para os consumidores.
Todos têm o direito à escolha de seus ídolos e paradigmas. O presidente presta sua homenagem à RONALD REAGAN e ROBERTO CAMPOS. O embaixador defendeu sempre posições contrárias a criação da PETROBRÁS e ao regime de monopólio. Os resultados da Companhia demonstram cabalmente o seu equívoco.
“A PETROBRÁS RETOMOU O ACESSO AOS MERCADOS FINANCEIROS”.
A PETROBRÁS nunca enfrentou obstáculos instransponíveis nos mercados financeiros, nacional e internacional.
“HÁ MUITO O QUE FAZER PARA SER UMA CAMPEÔ.
Certamente não será com a venda de ativos estratégicos, com a privatização de subsidiárias, desintegrando a Companhia, cedendo mercados e instalações para concorrentes, que manteremos a PETROBRÁS na condição de CAMPEÃ, tão admirada pelos brasileiros. (PESQUISA DA FOLHA DE SÃO PAULO CONFIRMA QUE A PETROBRÁS É CONSIDERADA A MARCA DO BRASIL)
“A PETROBRÁS DEVERÁ SER UMA EMPRESA DE EXCELÊNCIA COMPARÁVEL AS MELHORES COMPANHIAS GLOBAIS DE PETRÓLEO”.
A PETROBRÁS não teme comparações. Nas águas profundas e ultraprofundas sua liderança e excelência são reconhecidas internacionalmente por três prêmios, concedidos em 1991, 2002 e 2015, pela OTC – Offshore Technology Conference, Houston, Texas, USA.
Os custos de extração no PRÉ-SAL, da ordem de US$ 7,00/barril, são competitivos e menores que os alcançados em operações semelhantes em outras partes do mundo.
Também no refino a PETROBRÁS tem custos inferiores aos de suas congêneres.
No período de vigência dos contratos de risco, treze anos (1975 – 1988) a PETROBRÁS teve performance muito superior à das 35 maiores empresas do mundo, que praticamente nada descobriram, enquanto nossa Companhia mais do que quadruplicou sua produção. As 35 maiores e mais experientes petroleiras do mundo firmaram, à época, nada menos de 243 contratos de risco cobrindo área equivalente a 80% das bacias sedimentares brasileiras.
Na distribuição de derivados a PETROBRÁS DISTRIBUIDORA (2ª maior empresa brasileira em faturamento), competindo, sem quaisquer privilégios com empresas nacionais e estrangeiras, também tem a liderança, operando 8.200 postos em todo o país. A PETROBRÁS é a marca mais lembrada do segmento combustível com 23% contra 13% da SHELL e 12% da IPIRANGA. Com cerca de 1/5 dos postos de combustível do país a
DISTRIBUIDORA supera as concorrentes em
todas as faixas de idade, renda e classe social. A PETROBRÁS foi escolhida pelo
15º ano consecutivo como a marca que representa o Brasil, no projeto TOP OF
MIND da Folha de São Paulo.
“O RELEVANTE É SER
FORTE E NÃO NECESSARIAMENTE SER O MAIOR”.
A indagação a ser feita ao presidente é a seguinte: É possível fortalecer a PETROBRÁS, vendendo ativos lucrativos? Desfazendo-se de poços e campos em produção, com altíssima produtividade, como os de LAPA, IARA, CARCARÁ e outros vendidos, para concorrentes, como TOTAL e EQUINOR? Há casos de poços vendidos para concorrentes, dois dias após a entrada em operação, com vazão de 30 mil barris/dia! Adotando uma política de preços que abre espaço para concorrentes, mantém ociosas refinarias, prejudicando a imagem da Companhia junto ao mercado? Defendendo a limitação de suas atividades à exploração/produção e abandonando/privatizando os biocombustíveis (etanol e biodiesel), a petroquímica, a logística, a distribuição e a revenda de gás natural?
O resultado de tudo isto será uma PETROBRÁS MENOR e MAIS FRACA.
“VAMOS ACELERAR A PRODUÇÃO DE PETRÓLEO PARA QUE NOSSAS RESERVAS TENHAM O MELHOR APROVEITAMENTO POSSÍVEL”.
A produção acelerada interessa aos concorrentes, com reservas e extração declinantes. Também aos países carentes de petróleo. O Brasil deve ter o controle de sua produção, através da PETROBRÁS, imprimindo-lhe um rítmo compatível com as nossas necessidades. Velocidade que permita o desenvolvimento e a consolidação da indústria e da engenharia brasileiras.
“A HUMILDADE É UMA VIRTUDE. TEMOS QUE SER HUMILDES PARA RECONHECER NOSSOS ERROS E APRENDER COM A EXPERIÊNCIA DOS OUTROS”.
A afirmação procede, mas não pode ser entendida como necessidade absoluta de fazer “parcerias estratégicas” que, muitas vezes, colocam a PETROBRÁS em situação de intolerável inferioridade.
“SER ESTRATÉGICO É GERAR VALOR”.
O conceito, nos parece, deve ser ampliado. Todas as empresas modernas têm compromissos. Com os acionistas, trabalhadores, consumidores, fornecedores, com o meio ambiente, com toda a sociedade e com a Soberania do país.
“BUSCA INCESSANTE POR CUSTOS BAIXOS SEREMOS CAÇADORES IMPLACÁVEIS DOS DESPERDÍCIOS”
Os desperdícios devem ser evitados, sempre. Sobretudo em países com escassos recursos, embora estes não sejam ilimitados em nenhum local.
A obsessão pelos custos baixos pode ser levada ao paroxismo, à insensatez de reduzir, sem critérios, os custos, precarizando a segurança como em MARIANA e BRUMADINHO, na VALE, onde V.Sa. e o Senhor MURILO FERREIRA, serviram como diretor e presidente por muitos anos.
“NO FUTURO PRÓXIMO NÃO ESTAREMOS SOZINHOS NA INDÚSTRIA DO REFINO”.
O país importa, hoje, cerca de 400 mil barris de derivados por dia. Dentro de alguns anos as importações devem atingir um milhão de barris. O Brasil precisa de NOVAS REFINARIAS. O monopólio do refino não existe desde 1997, portanto há mais de 21 anos.
Nosso mercado é o sexto ou sétimo do mundo.
O consumo brasileiro per capita é moderado e tende a crescer com a retomada do desenvolvimento e a melhor renda dos brasileiros.
Há todas as condições para novos investimentos.
A alegação de que os investidores não entram no refino com receio do risco de controle de preços pelo Governo é absurda.
O risco é da essência do capitalismo. A PETROBRÁS corre este risco há 65 anos e foi bem sucedida.
O que desejam estes “investidores”? Capitalismo sem risco? Tirar do ESTADO NACIONAL qualquer ingerência no setor do petróleo, sabidamente fundamental para a economia e à segurança energética e militar do país? O ABASTECIMENTO NACIONAL é atividade de UTILIDADE PÚBLICA e não pode ficar inteiramente ao sabor do mercado. A venda de refinarias da PETROBRÁS, construídas com grande esforço e investimentos em bilhões de dólares, é um crime contra a Companhia, prejudicial à economia brasileira. Mera entrega de parcela do mercado às concorrentes. Não agrega capacidade de refino. A construção de novas refinarias, ao contrário, além de expandir a capacidade de processamento no país, gerará empregos, renda e encomendas de materiais, equipamentos e serviços de engenharia. Ademais, novas refinarias são necessárias para processar o petróleo, cuja produção crescerá aceleradamente. A exportação desse petróleo sem beneficiamento também prejudica a economia brasileira.
“O LIBERALISMO É FRATERNO E A ECONOMIA DE MERCADO É UM REGIME DE COOPERAÇÃO E NÃO DE CONFRONTAÇÃO”.
Alguns liberais querem liberdade total o que, convenhamos, é utopia. Querem destruir o Estado, impedindo sua ação para a harmonia social. O liberalismo levado ao extremo, prega a desregulamentação, ataca os sindicatos dos trabalhadores, veta o Estado na atividade econômica, até mesmo nos setores onde a iniciativa privada se omite.
O individualismo exacerbado é estímulo ao
egoísmo, produz a concorrência predatória, leva os mais fracos à submissão.
Receba, Senhor Presidente, nossas
Atenciosas Saudações,
Ricardo Maranhão
Diretor
AEPET – Associação dos Engenheiros da PETROBRÁS