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Fim da escala 6x1 proposto pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) mobiliza discussão fundamental: as condições de vida e de trabalho no Brasil
Rosângela Ribeiro Gil
Redação ABCP
A diretoria da ABCP entende fundamental defender a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), apresentada em 1º de maio último, que propõe o fim da escala 6x1 – típica do setor de serviços, como o comércio, principalmente, ela impõe às pessoas seis dias de trabalho e apenas um dia de folga.
O tema alcançou grande repercussão nos últimos 15 dias. Uma movimentação necessária para retomar com firmeza importantes debates sobre o mundo do trabalho no Brasil, principalmente no que se refere aos excessos de jornada impostos a diversas categorias profissionais, como a dos petroleiros também.
A luta da classe trabalhadora sempre teve como um dos pilares fundamentais a jornada de trabalho. A histórica data de 1º de maio, Dia de Luta do Trabalhador e da Trabalhadora, começou, no século XIX, com grandes movimentos grevistas, em diversos países, exigindo a redução da jornada diária. A palavra de ordem era não “se morrer de tanto trabalhar”.
Deputada Erika Hilton (PSOL-SP) coloca em debate tema central para a classe trabalhadora. Crédito: Zeca Ribeiro/PSOL.
Primeiro ato: a PEC
A PEC da deputada líder do Psol na Câmara propõe estabelecer a duração do trabalho de até oito horas diárias e 36 semanais, com jornada de quatro dias por semana e três de descanso. Na justificativa da proposta, Erika Hilton ressalta a importância do Movimento Vida Além do Trabalho (VAP), organizado pelo recém-eleito vereador Ricardo (Rick) Azevedo, pelo Psol do Rio de Janeiro. Rick começou a produzir vídeos para a internet mostrando sua estafante vida como empregado de uma farmácia, sem tempo para nada.
Para ir à discussão e votação no Congresso Nacional, regimentalmente a PEC precisava obter o número de 171 assinaturas de parlamentares. Segundo informações da deputada, até o dia 13 último, o número já tinha sido obtido com folga, ultrapassando mais de 180 signatários à proposta.
Conforme a deputada, “a alteração proposta à Constituição Federal reflete um movimento global em direção a modelos de trabalho mais flexíveis aos trabalhadores, reconhecendo a necessidade de adaptação às novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares”.
Para o professor de Economia e diretor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp), a mobilização em torno da PEC ou do movimento “Vida Além do Trabalho” foi uma “grata surpresa”. “O momento precisa ser aproveitado para o debate profundo sobre a jornada de trabalho no País, ainda uma das mais longas no mundo, não apenas a semanal, mas a anual também. Só perdermos para os países da Ásia”, informa.
Professor Marcelo Manzano: Estratégia de desenvolvimento econômico no Brasil não pode ser assentada na mão de obra barata e fragilizada. Crédito: Acervo pessoal.
A mudança, segundo Manzano, pode ter um efeito cascata positivo ultrapassando as atividades relacionadas à área de serviços – alimentação, shopping centers, bares etc. – e contribuindo para pleitos em outras categorias profissionais submetidas a excesso nas suas jornadas de trabalho.
Segundo ato: o eterno retorno do alarmismo patronal
Para o docente da Unicamp, é histórico vermos o alarmismo da classe patronal quando se reivindica melhorias nas condições de trabalho. “Vimos isso em diversos momentos. Nos mais recentes, quando se discutiu a jornada de oito horas diárias ou a semana inglesa e até na implantação do décimo terceiro salário. É recorrente esse tipo de reação, repercutido, inclusive, por alguns parlamentares, no Congresso Nacional, neste momento da PEC 6x1”, exemplifica Manzano.
Os empregadores e seus representantes, reforça ele, estão sempre com o discurso pronto para dizer que vão quebrar por causa de qualquer alteração na relação trabalhista, seja quando se discute melhores salários ou condições de trabalho.
A discussão, segundo o professor, precisa estar em outro patamar. Ou seja, no ponto mais verdadeiro desse debate: a jornada é extensa, os trabalhadores se sentem pressionados, não têm tempo de descanso, lazer, de estarem com suas famílias ou de se qualificar, estudar ou fazer qualquer outra coisa que desejarem.
Além disso, precisa-se incluir na jornada de trabalho o tempo de deslocamento entre a residência e o ambiente laboral da pessoa. “Nas grandes cidades, destacadamente, não é raro o/a trabalhador/a levar até quatro horas nesse percurso. A jornada média quase que dobra”, diz.
Sexta é o novo sábado
A PEC da deputada Erika Hilton e o movimento VAP trazem oportunamente para o Brasil o que vem ocorrendo em outros países, como a jornada de quatro dias semanais. “Portugal, Nova Zelândia, Inglaterra e Alemanha, por exemplo, já estão com novos experimentos, levantando a bandeira ‘a sexta é o novo sábado’. Vemos jornadas mais extensas em países mais pobres, como os do sul da Ásia. Em alguns países da América do Sul, como Uruguai e Argentina, já se conquistou jornadas menores”, diz professor de Economia da Unicamp.
Terceiro ato: mão de obra barata não é estratégia de desenvolvimento
Ele é taxativo ao afirmar que “não é verdade que [o fim da escala 6x1] vai gerar desemprego ou as empresas vão falir. Quando se concedem direitos aos trabalhadores a reação do empregador é que a empresa vai quebrar ou o país vai perder competitividade. É uma discussão falsa. Mesmo que haja aumento de custo inicial, isso não significa problema efetivo. É perfeitamente possível as empresas se reestruturarem, organizarem o trabalho de outra forma e inovarem com equipamentos e tecnologias. Aliás, estratégias desejáveis para melhorar a economia”.
Garantir vida mais digna deve estar no centro do debate sobre a redução de jornadas de trabalho, mas, ainda assim, há aproveitamento econômico. A jornada de trabalho menor tem efeitos positivos em outros segmentos da sociedade. “Aumentar tempo livre e de descanso também significa o desenvolvimento de outras atividades. Estamos falando na criação de demandas, por exemplo, nas áreas de estudo, lazer, turismo, cultura, entre outras. Isso gera negócios e melhora a economia”, defende o economista.
Os direitos dos trabalhadores estão cheios de lutas. Crédito: reprodução de internet.
Ele acrescenta: “Tempo para se dedicar a aperfeiçoamento profissional, em qualificação. O problema da economia brasileira ou do mercado de trabalho não está relacionado à qualificação do trabalhador ou a sua jornada. Existem outros determinantes, como políticas macroeconômicas que debilitam muito a produção e a geração de emprego: termos uma das maiores taxas de juros do mundo; sistema bancário extremamente concentrado que não participa do financiamento de empresas de longo prazo; pouco investimentos em pesquisa, ciência e novos produtos. Esses fatores realmente interferem e inibem o desenvolvimento da economia brasileira. Não é exatamente o perfil do trabalhador ou a condição do seu trabalho que significa a melhora ou a piora do mercado de trabalho brasileiro.”
O professor Marcelo Manzano lamenta a mentalidade, ainda dominante no Brasil, e reproduzida por representantes empresariais, parlamentares e até pela mídia corporativa, de que a grande estratégia de desenvolvimento da economia brasileira deve estar assentada na exploração de uma mão de obra barata, fragilizada e sob condições de vida e trabalho as mais adversas e desumanas.
Retrocesso observado com a reforma trabalhista de 2017, do governo Michel Temer, reunida na Lei 13.467. A situação é destacada na justificativa da PEC da deputada Erika Hilton: “Os avanços de qualquer redução da jornada de trabalho foram conquistados no âmbito das negociações coletivas de trabalhos, num contexto de mobilizações que conseguiram furar o bloqueio patronal e negociar. Contudo, sob análise da redução de jornada legal de trabalho, compreende-se que, no marco da Constituição de 1988, em que o tempo de trabalho foi reduzido de 48h para 44 semanais, as outras grandes alterações na legislação do tempo de trabalho favoreceram os empresários em detrimento dos trabalhadores, como aconteceu em 2017.”
A deputada considera fundamental a “redução legal da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais que abranja a todos os trabalhadores, pois todos necessitam ter mais tempo para a família, para se qualificar diante da crescente demanda patronal por maior qualificação, para ter uma vida melhor, com menos problemas de saúde e acidentes de trabalho - e mais dignidade”.
O argumento do professor Marcelo Manzano está contemplado na justificativa da PEC, quando a deputada observa que “um dos efeitos da redução da jornada de trabalho seria, além da inclusão de mais jovens nas atividades laborais, em decorrência da dinamização tecnológica de vários setores, a produção de cerca de 6 milhões de postos de empregos”.
Quarto ato: às ruas!
A mobilização alcançada precisa ser mantida e potencializada. As ruas são o caminho para qualquer conquista de direitos! A classe trabalhadora nunca conquistou nada de mão beijada. Nunca foi o empregador que deu alguma coisa, sempre foi fruto de lutas organizadas e coletivas.
A PEC pelo fim da escala 6x1 já encontra resistências dentro do Congresso Nacional, daqueles parlamentares que nunca estão ao lado da sociedade, mas estão atrás de benefícios próprios e, por isso, reproduzem o discurso e votam nas propostas bancadas pelo dinheiro.
Neste 15 de novembro, em que se comemora o Dia da Proclamação da República, devemos transformar as ruas do País num novo marco das lutas coletivas em defesa de um Brasil melhor, justo, democrático para as pessoas que vivem do seu trabalho.